terça-feira, 14 de setembro de 2010

Muitas aspas, algumas lágrimas

Voltei a pouco da cremação de Maria Lúcia.
Filha mais nova entre 4 irmãos, dentre eles, minha sogra, o ex-ministro e a ex-procuradora da república, morreu doente e com dificuldades financeiras.

Era considerada a "burra e problemática" por eles, afinal não tinha "sucesso" como os irmãos ilustres.

Para mim, que viu de fora já que não sou parente, era a mais inteligente e que melhor ouvia os outros (na melhor concepção da palavra). Mulher bonita, de olhos claros e fala agradável.
Postou aqui um comentário pra mim uma vez.

Ver a ex-procuradora se descabelando sobre o caixão, muito mais do que hipócrita, foi ofensivo.
Uma forma clássica e oportunista de aproveitar a culpa como marketing pessoal.
Do alto de seu "sucesso", títulos, condecorações e muuuuuuito dinheiro, deixou a irmã abandonada à míngua.

Solitária, "azeda" e nitidamente infeliz, criou um clone seu, que com muito "sucesso" está trilhando sua vida na diplomacia.
Não por coincidência, terminou um casamento em 2 meses com um cara de "sucesso" que era seu "amado" desde a faculdade.

Pessoas de "sucesso" não tem muito tempo para o aprendizado da arte de se doar.

O ex-ministro, claro, não foi avisado já que estava na Itália passeando e não podia ser incomodado com esses assuntos "desprezíveis".
O "grande" homem, aliás, dá broncas homéricas na mãe (uma senhora de 92 anos) por bobagens da infância, e por pouco, muito pouco não abandonou a mesma à própria sorte.
Com certa idade, câncer, aparentemente solitário e amargo, está se deparando com a realidade da "importância" (se é que me entende).

Fiquei realmente triste pela Lúcia e a situação em que ela "acabou".
Mais triste ainda pelo seu filho, um mestiço de 'japa' jovem e muito bacana, que já não bastasse ter achado o pai morto, encontra a mãe da mesma maneira.

No fim da "cerimonia da hipocrisia", a ex-procuradora conforta (se é que ela é capaz disso) o rapaz, e fiquei imaginando as entrelinhas: 'Pode contar comigo pra qualquer coisa meu filho. Abandonei sua mãe faz muito tempo, por isso conte comigo e minha culpa".

Para obter o "sucesso" é necessário muita dedicação eu concordo, mas devido à limitação intelectual inerente a nossa espécie, todos os recursos e o tempo são dedicados a isso, e afeto, solidariedade e outros valores éticos não estão inclusos nessa formação.

Aliás, não ter valores éticos é um pré-requisito para o "sucesso".

Não é novidade pra mim, apenas mais uma constatação, um reforço de que prefiro ser um cara "fracassado".

4 comentários:

  1. Coisa estranha aquele bando de gente que há anos você não vê e que, decerto, não deviam visitar a falecida também.
    Gente que você não sabe que assunto puxar, como se comportar quando os vê (nem eles). Tipos nada-a-ver que você só encontra em enterro e casamento, e olhe lá.
    E todos choram.
    Porque o ser humano deixa a vida se entulhar de minúcias, de bobagens, de mesquinharias, de troféus para colocar na parede, da grana que cai na conta corrente, de louros, e a vida passa e vai deixando lacunas.
    Tudo passa, mas a culpa fica para esses, e para que eles pensem que são tão mortais e que seu fim pode ser igual ao da Tia.
    Descanse em paz, Maria Lúcia!

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  2. Os detalhes são mais sórdidos ainda...
    Gente "fina", "chique", culta e de excelente formação... incapazes sequer de pagar um convênio médico pra irmã... por mais defeitos que ela tivesse, e de fato os tinha, nada que justificasse tal sordidez, tal mesquinharia, ainda mais de quem ganha quantias que eu nem sou capaz de computar.

    Chocante, deprimente.

    Não sei como alguém acha graça em guardar e juntar tanta porcaria se o mais divertido é poder comprar para os outros.

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  3. Não acho que essas pessoas chorem e se descabelem porque têm dor na consciência. Aliás, duvido. Elas acreditam piamente que um "fracassado" é culpado pelo próprio fracasso, mesmo sem saber que isso de fracasso e sucesso é pura ficção. Acho que choram pelo passado, pelo afeto que um dia existiu, bem como por si mesmas (envelhecimento, medo da morte, a gratuidade da existência, essas coisas).
    A gente prefere pensar que elas tenham alguma espécie de dor na consciência por projeção nossa, talvez por estarmos muito mais próximos do grupo Lúcia (em termos sócio-econômicos) do que do grupo VIP - e sentimos algum ressentimento pela falta de apoio e reconhecimento por parte deles (e, por extensão, de toda a sociedade).
    Mas os VIP não sentem o mesmo. Raciocinam "darwinianamente", se acham os melhores, os mais fortes, os que venceram a corrida evolucionista social. Se somos pobres, sem status, sem closet no quarto, é porque somos mais fracos (menos produtivos, menos ousados, sem senso de oportunidade, com menos iniciativa e garra, essas tolices do gênero). Portanto, estamos no lugar que merecemos. Nós e a Lúcia.

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  4. Não digo exatamente "dor na consciência", mas alguma coisa podre existe lá.
    Esse mix de sentimentos represados e petrificados não faz bem a essa gente não, está na cara deles.

    Uma infelicidade generalizada destilada numa vida afetiva vazia.

    Sempre quis distância "dessa gente", nunca busquei reconhecimento em nada e desprezo solenimente essas posições sociais, talvez por isso me tratem sempre bem...

    Vivo apenas um dia depois do outro.

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