Não, isso não é um post romântico.
Falo tanto de DDA (hoje TDAH) e nunca postei nada sobre o assunto, em especial, minha convivência com ele.
Apesar de ser um relato pessoal, é bastante interessante para qualquer um que deseje transpor certos paradigmas através do devaneio e do livre pensar. No fim, fecho com Contardo Calligaris.
"Sigam-me os bons!" (do 'filósofo' Chapolin Colorado)
Inicialmente devo esclarecer que não mais conceituo o DDA como "transtorno", e muitos terapêutas mais modernos também não. Aliás, alguns nem sequer gostam de categorizá-lo, o que por si só, a mania de classificação, já é uma doença em nossa sociedade.
O DDA é muito discutido e avaliado em crianças mas, ao contrário das estatísticas (que são absolutamente ilógicas), todas as crianças com DDA viram adultos com DDA, já que em nossos cérebros, uma área do cortex frontal 'filtra menos' os estímulos do que deveria (?) e isso não é "curado" ou "concertado", mesmo porque, isso só virou um transtorno em nossa sociedade da eficiência e produtividade.
A internet está cheia de descrições do dito "transtorno" e um livro em especial, "Mentes Inquietas", é bastante elucidativo no assunto, então relatarei apenas minha experiência pessoal.
O DDA existe desde sempre em alguém, e comigo não foi diferente.
Comecei a falar e andar com 10 meses. Sempre tive dificuldade em dormir e até hoje essa "perda de tempo" me angustia. Tenho a impressão que sempre estou perdendo tempo, apesar de ser um incansável defensor da "sociedade para o tempo livre". Concordo, bastante estranho.
Conhecia todos os pronto-socorros e médicos de urgências. Tenho todo o tipo de cicatriz possível e imaginável.
Mais do que brincar, gostava de criar meus brinquedos. Tudo o que passava na minha mão ou qualquer coisa que me interessasse deveria ter seu "funcionamento" minunciosamente estudado. Claro que minha santa maezinha teve que suportar toda a sorte de coisas completamente desmontadas.
Com 3 ou 4 anos já "explicava" para os meus amiguinhos sobre a temperatura do chuveiro ou sobre o funcionamento das máquinas dos dentistas. Tudo por observação e intuição, claro que ainda distante da mecânica Newtoniana e da termodinâmica.
Observando agora, já com 4 décadas de existência, vejo que sempre fui cético e sempre quis saber exatamente como as "coisas funcionam".
Meu primeiro computador (um NE-Z8000 como citei no meu post anterior - lá pela metade da década de 80) foi montado e "embalado" numa linda calculadora antiga.
A escola era um paradoxo de interesse e desespero de fugir, na faculdade não foi diferente. Acabei por desistir. Claro que não sem uma dose imensa de culpa que me corrói até hoje.
Nunca estudei. Nunca mesmo. Sempre estudei em escolas de bom nível e nunca fui reprovado.
A hiperatividade sempre foi meu símbolo.
Praticava toda a sorte de esportes. Joguei bola na rua compulsivamente, fazia educação física com prazer, e ao contrário dos outros moleques, ainda me matriculava em cursos de basquete e volei. Pratiquei 100 metros, 110 com barreira, revezamento 4X100 e salto em altura.
Ganhei medalhas mas nunca quis me especializar (há! isso é muuuuuuuito difícil pra um DDA!) em nada.
Adulto, achava que queria flertar com a morte (ainda acho): mergulhador avançado, já fiz paraquedismo, paraglider, cannyoning, rafting, trilhas mil e recentemente motocross.
O medo do fracasso e da desistência são uma constante (e aí a auto-estima vai pra casa do caralho - ok, me desculpem o linguajar chulo e nada acadêmico), e aliado à hiperatividade e a curiosidade generalizada desencadearam numa impossibilidade do que atualmente chamam de especiaização, a formal e burocrática bem entendido.
De qualquer modo, nunca acreditei em especialização. Acho uma espécie de coroamento da mediocridade, tão valorizada atualmente, principalmente no ambiente coorporativo.
Escrevi meu primeiro livro com 19 anos, sem pretensão nenhuma, sem gente influente apoiando, sem press release e sem nada, ainda foi bem elogiado pela crítica especializada.
Escrevi outros já sem a mesma vontade. Claro, não era mais desafiador.
Encontrei futuros engenheiros da Poli que me cumprimentavam emocionados, sem saber que eu era um nada que os formava, algo bastante paradoxal já que numa coorporação eu possivelmente sequer seria aceito.
Comecei a trabalhar com hardware e acabei no software.
Iniciei a graduação em Física e lia livros de Psicologia nos intervalos.
E de qualquer modo, o CPEUSP era minha segunda casa.
Especialização? Término de tarefas? Prazos? Organização?
Esquece, isso não funciona com a gente, ou pelo menos, é muito difícil.
Numa sociedade que prima pela concentração focada e produtividade (o que é incompatível em alguém com DDA), se você não for um artista está frito.
Depressão é uma comorbidade comum em DDA's.
Ter déficit de atenção não é não se concentrar em nada, mas sim se concentrar em tudo e adicionalmente ter um superpoder adicional: o hiperfoco.
O hiperfoco é algo que aprendemos instintivamente ao longo da vida e faz com que, em algo que nos atraia, simplesmente depositemos toda a energia no objeto em questão, uma espécie de altismo seletivo.
Esse caos de estímulos sempre me fez adorar o silêncio e abominar as aglomerações humanas.
Os DDA's são aqueles chatos que sempre querem ir embora cedo de uma festa num boteco. Não que todos os chatos sejam DDA's mas todos os DDA's não se dão muito bem em locais caóticos (os "normais" ainda por cima se violentam para serem "in").
Tentei a Ritalina por um tempo, devidamente prescrita por um médico.
Sem chance. Ganho pífio. Em adultos, o comportamento pesa mais do que a química.
Trilhei a minha vida para viver como sou.
Admito que já quis me enquadrar no mundo coorporativo e das pessoas "normais" e sempre acabei saindo.
Meu tempo livre e minhas longas jornadas de divagações agradecem.
Com esse confuso relato (típico) é possível entender melhor o que está na descrição desse blog, ou seja, ele é parte da minha TCC (terapia cognitiva comportamental).
Cada término de um texto é uma vitória e mantê-lo por um ano foi meu objetivo.
Agora me permito novamente a liberdade de abandonar mais uma coisa sem mais nem menos. Esse blog nasceu morto.
Deixo um trecho do Contardo Calligaris sobre a "ritinha" (metilfenidato) e a importância do foco.
"Nos anos 60, o metilfenidato (um estimulante) começou a ser usado para tratar o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em crianças em idade escolar. De 60 a 90, o diagnóstico de TDAH aumentou brutalmente: nos EUA, por exemplo, de 12 crianças em cada mil nos anos 70, chegou-se a 34 em cada mil nos anos 90.
Seja qual for a realidade neurológica e psicológica do TDAH e seja qual for a eficácia do seu tratamento com metilfenidato, é difícil não constatar que a epidemia tem também uma explicação cultural.
Sua história começa logo nos anos 60, uma época em que divagar (perder-se no pensamento e pelo mundo) era um valor positivo da contracultura. Desde então, voltamos a prezar o olhar focado do predador. O ápice dessa reação (e do diagnóstico de TDAH) foi a religião do sucesso dos anos 90.
Ora, começam a aparecer pesquisas que revalorizam a divagação e o devaneio. "Descobrimos" o que já sabíamos: há uma desatenção sem a qual não se consegue pensar nada que valha a pena.
Usando apenas o dito "controle executivo" focado, conseguiremos cumprir tarefas adequadamente (mesmo assim, à condição que não haja imprevistos), mas não inventaremos nada. A própria invenção científica (não só a criação artística) pede um uso simultâneo de controle executivo e divagação.
Duas pesquisas, para quem quiser ler (com atenção, claro): www.migre.me/1aZZu e www.migre.me/1b57h.
A segunda documenta (por ressonância magnética funcional) a cooperação possível de pensamento focado e devaneio (que ainda são, por muitos, considerados como atividades exclusivas uma da outra).
À luz dessas pesquisas, seria bom reavaliar nossa hipervalorização da atenção focada e, sobretudo, nossa medicalização sistemática de crianças que, às vezes, com toda razão, gostam de sonhar de olhos abertos."