sábado, 29 de março de 2014

É normal

O pai de um grande amigo teve um surto psicótico.
Cidadão normal, pai de família, bem sucedido (sob a ótica capitalista), nível superior e com boas companhias.
Enfim, um sujeito normal.

Essas coisas - problemas psiquiátricos - costumam deixar as pessoas incomodadas.
Elas no fundo nos alertam para o fato de que todos estamos no fio da navalha, vivendo no limite do policiamento social e das fugas do que convencionamos de realidade.

É divertido e saudável observar as normalidades à nossa volta.



É normal existir algo como a lei da oferta e procura, quando o aumento de consumidores em relação à oferta de um determinado bem faz com que se possa explorar livremente esses consumidores, promovendo imensas e imorais margens de lucro.
Normal.

É normal que exista algo como o mercado de ações  que enriquece ainda mais uma meia dúzia de afortunados que criam as empresas, manipulam os boatos, administram as empresas de avaliação de riscos e se beneficiam de informações privilegiadas para gerar imensos lucros com virtualmente nada.
Normal.

É normal que se vejam atletas de uma determinada modalidade faturando quantidades de dinheiro que nem em oito vidas seria possível gastar. Dinheiro que sai, em geral, direta (ingressos) e indiretamente (consumo de produtos super faturados dos patrocinadores) de um monte de assalariados desafortunados em busca de uma diversão pífia qualquer.
Normal.

É normal que um pequeno produtor rural de Santa Catarina perca seu único sítio por uma dívida bancária de R$ 1300,00, enquanto grandes produtores tem isenções fiscais, crédito quase infinito e constantes perdões por transgressões ambientais.
Normal.

É normal festejar o agronegócio, mesmo que ele só enriqueça meia dúzia de grandes fazendeiros, cause danos ambientais imensos, acabe com a cultura regional e indígena, promova monoculturas paupérrimas do ponto de vista biológico, trate de maneira inconcebível os animais e expulse, inclusive com violência, nativos e pequenos produtores.
Normal.

É normal reajustar aluguéis pelo IGPM, mesmo sabendo que o índice usa um cálculo composto em sua maioria por índices de produtos alimentícios.
Normal.

É normal que se mutile pessoas com as cirurgias bariátricas em nome do emagrecimento, mesmo que haja 30% de risco de engordar novamente e os mesmos procedimentos sejam recomendados depois da cirurgia: dieta e exercício.
Normal.

É normal que se comemore a democracia mesmo que não vivamos em uma, já que temos direito de escolha dentro de um conjunto pré-aprovado de candidatos e para ser um deles o livre trânsito dentro do poder já é pré-requisito. A própria nação auto proclamada símbolo de democracia, os EUA, não tem eleições diretas e patrocina assassinatos, golpes de estado e desrespeito a leis internacionais a seu bel-prazer.
Normal.

É normal que sejamos tachados de loucos ou fracassados quando abandonamos uma "próspera carreira" e uma "boa vida" numa grande metrópole para vivenciar o prazer de ter espaço, silêncio, bom ar, comunidade pacata e ganhar o sustento com algo que antes de mais nada é criativo, inspirador e livre.
Normal.

É normal que se ouça discursos inflamados em nome do esforço e do reconhecimento, mesmo que as possibilidades de ascensão social através do trabalho ético sejam surreais e os mesmos oradores muitas vezes presenciem seus parentes e amigos caindo em desgraça depois de uma vida de trabalho árduo.
Normal.

É normal que se trabalhe 8 horas por dia, disponha-se de 1 hora para almoçar, perca-se 3 horas no ir e vir ao local do mesmo e outras 1 hora para se preparar para sair mais umas 3 horas para relaxar ao voltar. Em suma, é normal que 2/3 da vida adulta se passe trabalhando e os outros 1/3 dormindo, para que no fim, se chegarmos lá, possamos morrer com os bens acumulados e possivelmente tendo surtos psicóticos até o último suspiro.
Normal.

É normal que se clame por justiça sob a forma de punição, vingança e repressão, mesmo sabendo que não resolve em nada o problema da violência e que ela é fomentada direta e indiretamente por uma sociedade sem educação e valores éticos, aliás, somente assim é que se sustentam essas normalidades todas.
Normal.


"Não é sinal de saúde estar adaptado a uma sociedade profundamente doente." - Jiddu Krishnamurti.

O número de normalidades discutíveis em nossa sociedade é tão imensa que não caberia aqui.
Lendo sobre plasticidade cerebral voltei a pensar que possam existir seres em seu âmago estúpidos, mesmo sabendo que há "cura" para isso.

Não há necessidade de formação prévia para no mínimo, se perguntar se certas coisas são de fato 'certas' e 'normais'.

A 'insanidade' me parece ter recompensas.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Dieta do trigo, milagre ou fato?

Sempre defendi que deveríamos eliminar os carboidratos da dieta, ou no mínimo restringir seu consumo ao máximo. Para mim e inúmeros pesquisadores, a pirâmide nutricional aceita como dogma deveria ser quase o oposto do que ela é.

Não costumo dar muita atenção para dietas da moda, mesmo porque, como marombeiro contumaz (admito que há meses em pausa forçada) sempre li sobre biomecânica, educação física e nutrição, o que elimina as místicas soluções alimentares.

Li apenas dois livros sobre dietas, o primeiro foi "A solução anabólica para fisiculturistas" do Dr Mauro di Pasquale, que demonstra cientificamente a eficiência das opções já utilizadas por vários bodybuilders há décadas. Dr Mauro é médico e ex-atleta.
Essa eu testei e aprovei, tanto do ponto de vista estético quanto de saúde.

O segundo foi "Barriga de trigo" do Dr William Davis, que me despertou curiosidade graças a mente científica do autor, quebra de dogmas e investigação a respeito dos transgênicos.
Ao contrário da maioria dos médicos que não estuda mais depois que se gradua (a tradicional burocracia acadêmica - o que pouco tem a ver com ciência), Dr Willian Davis estuda e mantém seu espírito científico, o que permite questionar pesquisas, buscar informações longe dos holofotes e ter a confiança em suas posições até para testar em si mesmo suas teorias (adoro fazer isso!).

Como diria o professor Carl Sagan, seja cético inclusive com o ceticismo.

São mais de 300 páginas recheadas de pesquisas científicas, relatos de casos médicos e excelente biografia.
Além de falar do trigo, trata dos problemas com a gordura visceral, segurança dos transgênicos e alternativas nutricionais
Sinteticamente o que ele expõe:
  • é seguro dizer que o trigo está presente na alimentação humana desde os natufianos perto do final do Pleistoceno, mais ou menos em 9500 AC.
  • o que comemos hoje como trigo, é tão trigo como nós somos primatas. O trigo einkorn e emmer são as variedades originais quase extintas.
  • apesar da hibridização ter começado há muitos séculos, as manipulações genéticas datam apenas do século XX, por volta dos anos 40 (a posterior adoção maciça do trigo transgênico coincide mais ou menos com a explosão nos casos de obesidade).
  • com intuito de aumentar a produtividade, tornar o trigo resistente aos herbicidas, facilitar sua colheita e aumentar a maleabilidade dos grãos, várias proteínas, mais precisamente polímeros,  foram adicionados, incluindo glútens (que são polímeros das famílias das gliadinas a das gluteninas) nunca antes existentes.
  • essas alterações também fizeram do trigo o cereal com a mais alta dose de amilopectina A, um carboidrato de altíssimo índice glicêmico (IG), que portanto eleva brutalmente a insulina no sangue e consequentemente a famigerada "bóia" abdominal.
  • em mais uma prova de sua mente científica, dr Willian Davis coloca: "o porque do corpo preferir a região abdominal para armazenar gordura e não o topo da cabeça ou o ombro esquerdo ainda é um completo mistério para a ciência médica". Lembrem-se que simplesmente alegar que é porque ali tem mais células adiposas não revela a origem do problema.
  • o pão branco (com trigo moderno) tem um IG de 69, enquanto o açucar comum tem um IG de 59. Você fiel consumidor de pães integrais pasme: o pão de trigo integral tem IG de 72!
  • tendo o próprio autor sensibilidade ao trigo, ele correu o mundo atrás do eikorn para colocá-lo à prova: consumindo exatamente 100 gr de pão de eikorn (massa mais compacta, com coloração mais amarelada e gosto levemente "castanhado"), sua glicose foi de 84 mg/dL para 110 mg/dL (uma alteração esperada) e sem consequências físicas posteriores; no dia seguinte, consumindo 100 gr  de pão de trigo moderno, sua glicose foi dos mesmos 84 mg/dL para 167 mg/dL, acompanhado pouco tempo depois de náuseas, cólicas e insônia, além de dificuldade de conentração, com duração dos sintomas de até 36 horas.
  • graças a sua alta dose de amilopectina A, o consumo dos derivados de trigo estão intimamente ligados à obesidade e a diabetes.
  • o aumento de casos de doença celíaca (há indícios de que os casos - por percentual da população - da mesma quadruplicaram por volta dos anos 40) parecem estar diretamente ligado à inclusão de novos glútens e o aumento da quantidade dos previamente existentes.
  • o glúten, ao passar pelo processo de digestão transforma-se numa mistura de polipeptídios, sendo que os predominantes atravessam a barreira hematoencefálica e ligam-se a receptores de morfina, da mesma maneira que as drogas opiáceas, portanto, o trigo vicia mais do que outros carboidratos.
  • os relatos documentados de seus pacientes e vários outros grupos estudados incluem ligações em diversos níveis com psicoses, depressão, TDAH, inflamações gástricas e intestinais, artrites, doenças auto-imunes, diabetes entre outros.
Minhas conclusões?

O livro é bastante coerente e repleto de boas fontes. 
É bastante plausível colocar nosso trigo 'biônico' na mira, assim como outros transgênicos, afinal essas manipulações visam apenas o lucro, porém admito ser bastante difícil ficar longe deles.
Quando o capital entra pomposo pela porta da frente a ética sai escorraçada pela porta dos fundos.
Monsanto, Cargill, ADM e outras gigantes com certeza não concordam com essas pesquisas.
Devemos lembrar que não são apenas dietas ricas em carboidratos que elevam a insulina no sangue. Dietas de restrição calórica, principalmente longos períodos sem alimentação, também fazem com que a insulina suba rapidamente com qualquer comida, que aliado a perda de massa magra, provocará a médio prazo a diminuição ou estagnação da perda de gordura devido a queda no metabolismo basal.

Praticamente metade do livro trata dos malefícios da gordura visceral e da diabetes, o que definitivamente não se pode atribuir somente ao trigo. O fato dele ser o cereal mais consumido no mundo e compôr a maior parte do carboidrato ingerido pelas pessoas o coloca em uma situação de alvo fácil.

Também devemos levar em consideração que o consumo de derivados de trigo nos EUA é bem maior que aqui. Se Vênus é um vislumbre da Terra sob efeito estufa, os EUA são um vislumbre do Brasil se continuarmos trocando nosso feijão com arroz por massas e aumentando dramaticamente o consumo de bolachas, muffins e outras porcarias.

Por fim, para quem consome carboidratos com moderação e salvo casos muito específicos, um pãozinho francês ou umas fatias de pizza devem fazer tão mal quanto um copo de refrigerante ou um porre de vez em quando, afinal somos humanos... eu acho.




segunda-feira, 3 de março de 2014

China essa conhecida desconhecida

No meu post sobre economia/dinheiro, o último episódio tratava da 'Chinamérica', o curioso "país" criado das necessidades econômicas modernas.

O mesmo autor (o historiador e professor de Harvard, Niall Fergusson), criou o documentário "China: Triunfo e Tumulto".

Um doc muito bom para se compreender o país mais importante da economia moderna, já que é a segunda economia do mundo mas que 'banca' EUA e a Europa, e como suas fragilidades sustentam um equilíbrio bastante precário do mundo.

De seu nascimento há mais de 2 mil anos ao seu estágio atual de efervescência.

Do YouTube.

Episódio 1: Império



Episódio 2: Maostalgia