sábado, 6 de setembro de 2014

O que eu mais tenho

Ontem liguei para um amigo que não vejo há uns meses.
Após colocar as informações em dia resolvemos combinar um encontro. Como sou muito sincero reclamei que das últimas vezes ele não pode por sua falta de tempo.



Recentemente com a segunda cria e empregadão como a esposa queria (sempre foi autônomo), ele soltou que "agora o tempo não é mais nosso".
Pensei mas resolvi nem retrucar, que o tempo não é mais dele, pois o meu continua meu.

O 'nosso' que ele se refere são os milhões de compromissos que ele se impõe e 'meu' quando eu me refiro, digo que o compartilho com as coisas e pessoas realmente importantes.

Claro que cada um tem suas prioridades, mas nota-se nesses sujeitos um certo amargor inevitável na questão e uma idolatria idiota a 'ter muitos compromissos'.
A única coisa que você não compra, aluga, ganha, empresta ou acha é o tempo, e nada mais estúpido do que achar valor em não ter algo tão escasso.

Quando alguém fala em combinar algo eu já acho desagradável e digo sempre, quando 'tiver tempo' me avise e passe aqui.
Eu tenho quase todo tempo do mundo. Sou rico nesse quesito.

A angústia de não conseguir lidar consigo mesmo e o tédio quando não se faz outra coisa a não ser lucrar (no sentido utilitarista) coloca essas pessoas nesse beco estranho de achar bom não ter aquilo que mais o ser humano tem de escasso.

Já dizia Bertrand Russell que o ócio deveria ser ensinado, já que ele perdeu espaço totalmente para o utilitarismo, e sem o ócio, o tempo de reflexão, meditação e contemplação, não há criação.

Isso é mais importante ainda para os que procriaram.
Entopem as pobres crias de milhares de afazeres, na tentativa inútil de as tornarem menos tapadas que a si mesmo, sem levar em conta que o cérebro só processa e cria cultura quando, após absorver as informações, tem tempo para as "digerir".

Nicholas Carr em "Geração superficial - o que a internet está fazendo com nossos cérebros" detalha bem o funcionamento plástico do nosso cérebro e a necessidade de intercalar informação e tempo de reflexão para que a cultura seja gerada.

Se bem que Arthur Schopenhauer em seu ensaio "Sobre livros e leitura" é bem mais agressivo quando coloca, entre outras coisas, a idiotice de se ter uma tormenta de informações sem que haja um processamento de qualidade a cerca delas.

Até os 7 ou 8 anos não somos nada. Um projeto de gente praticamente sem consciência.
Várias pesquisas mostraram que é mais ou menos nessa idade que atingimos um poder de raciocínio/consciência de um polvo, além do mais, alguém se lembra algo anterior a essa idade?
Vamos ponderar que o que "lembramos" é uma informação reprocessada, ou seja, pode ser uma fantasia ou no mínimo uma nebulosa imagem de um fato passado.

Então vamos arredondar que existimos depois dos 10 anos e não existimos após os 70 anos (estatisticamente).
Eu e meus amigos estamos todos na casa dos 40 ou 50 anos.
Estamos verdadeiramente mais pobres do que importa. Da "economia" da vida já consumimos 2/3 ou mais de nossos recursos.

Você acha sábio "não ter tempo"?