domingo, 26 de abril de 2015

Representatividade e alternativas de vida - Parte I

Há poucos dias resolvi ir a uma sessão de votação na câmara de vereadores aqui da minha cidade.
Como sempre morei em grandes cidades e estive imerso em sua realidade (uma delas é usar o próprio sistema para se desculpar pela falta de "tempo"), nunca fui a nenhuma. Como queria de fato essa vivência sem viés, resolvi ir a uma dessas sessões.

Era a votação de um relatório dos transportes públicos no município.
Depois de muito blablabla na "casa do povo", um dos membros da mesa lê o relatório inteiro da reunião entre vereadores e proprietários das empresas de transporte público e no fim, resumindo, ele conclui (literalmente, não é nada eufemístico ou subentendido) que houveram umas 5 ou 6 infrações graves às leis da administração pública passiveis de cassação do mandato.

Não há cochichos ou reuniões secretas em gabinetes, colocado em votação, dos 13 vereadores, simplesmente 8 se abstém (obviamente por motivos escusos), 2 se ausentam (também por motivos escusos) e apenas 3 votam a favor, sendo que esses, juntamente com a população presente, ficam esbravejando e falando com as paredes.

Por fim, depois de cortes "democráticos" de microfone, o presidente da mesa lê que "aqui na casa do povo" fica decidido que o relatório deve ser arquivado.




Evidentemente o processo histórico no qual resulta essa falta de representatividade pode ser estudado até de maneira bastante acessível.
Saber que a população (em especial a classe média) é de uma tosquice intelectual e duma mesquinharia atróz também é facilmente demonstrável.

Mas o que me cabe fazer?
Minha militância se foi faz anos, mas meu estarrecimento com essas "espécies" (o povo mesquinho e ignorante e seus representantes) me incomoda brutalmente.
Se a representatividade é nula, e na maior parte das vezes o objetivo é tortuoso ou até nefasto, protestar para que?

Não sendo um burrico que corre atrás da cenoura e valorizando meu pouco tempo de vida (temos todos pouco tempo), me integrar ao sistema medíocre e surreal do trabalho e acúmulo já foi coisa que deixei para trás, então aonde eu me encaixo?

Bem, como eu já disse, minha primeira providência foi abandonar os grandes centros urbanos e largar o processo empreendedor e acumulativo.
Claro, a ideologia é poderosa. As culpas e os medos que ela nos inflige é um fantasma que tenho que conviver, o que não tolero são desculpas e hipocrisias para justificarem as escolhas.

Até entre meus amigos classe média virei uma espécie de lenda (um estúpido para alguns, um visionário ou apenas um desequilibrado para outros). Errado ou certo são conceitos morais descabidos na discussão, mas ser um "outro caminho" é uma felicidade que carrego comigo, afinal, para a mediocridade não existe caminhos alternativos.

Fazer um downsizing (usando um termo tipicamente corporativo) da vida é um processo desafiador.
E agora, já num patamar intermediário venho estudando faz algum tempo as eco vilas e comunidades sustentáveis.

No próximo post vou detalhar algumas conclusões...




quarta-feira, 1 de abril de 2015

Extirpando o lugar comum

Os três últimos livros que li foram excepcionais.
Tem os componentes que eu amo, ou seja, os tornam uma boa ferramenta para o desenvolvimento intelectual e os dão credibilidade: são multidisciplinares, utilizam sólida pesquisa e portanto tem extensa bibliografia e, claro, são muito bem escritos e desprezam qualquer explicação simplória e reducionista.

O primeiro foi o do Marcelo Gleiser, "A Ilha do Conhecimento". Dos três o mais fraco. Apesar de ser a área que adoro, a Física, e talvez também por isso, ou seja, já ter lido bastante e estudado sobre o assunto, é que achei que faltou aprofundamento em alguns tópicos que ele estava a propor.
Extenso demais na "revisão" da astronomia e da base da física quântica, acabou pecando por explorar menos a formação da consciência e do conhecimento que era o alvo da obra.
Mas como a física sempre me manteve atento aos limites do senso comum e está aberta (como toda boa ciência) a novas perspectivas sem perder o ceticismo (já dizia o grande Carl Sagan: a pior falha da humanidade é a fé, a maior virtude é a dúvida) seus grandes autores são sempre bem vindos.

O segundo foi o "Demônio da Meia Noite" de Andrew Solomon, um tratado espetacular sobre a depressão que vai muito além do que se espera. Utilizando-se de conhecimentos e pesquisas tanto da psicologia, psiquiatria e neurobiologia, Solomon debulha a mente humana vasculhando as origens (tanto históricas quanto biológicas) da depressão, as contribuições das condições sociais, econômicas e políticas, os tratamentos convencionais e alternativos, as ramificações e questões dos sem teto, violência, suicídio, etc.
Apesar do tema foco, vale muito a pena para todos que gostam de estudar o comportamento humano e a consciência (essa misteriosa entidade cuja fronteira do físico e do metafísico nunca foi bem desvendada), além de derrubar uma série de mitos a respeito da depressão, ansiedade e suicídio.

O terceiro (sobre o qual já postei) foi o "Capital no Século XXI" de Thomas Piketty, um jovem, premiado e conceituado economista francês.
Economia nunca foi algo que me atraiu, muito pela pobreza dos economistas tecnicistas que esquecem que a economia é uma ciência humana e portanto, tratá-la de modo isolado da sociedade e da história faz com que suas obras percam grande parte do sentido.

Resolvi estudar porque somos continuamente bombardeados por manchetes e informações "recortadas" de termos econômicos que achamos serem bons ou ruins, mas que no fim não compreendemos seu significado, fazendo com que assumamos um discurso que não é nosso e muitas vezes nos é prejudicial.

Estou ainda na fase da economia, onde li Stiglitz (Nobel em 2001 - na verdade achei um pouco tedioso, apesar de muito bom, seu "The Price of Inequality"), Krugman (Nobel em 2008 - apenas alguns artigos) e agora comprei dois do Amartya San (economista indiano e Nobel em 1999).
Como tenho pouca referência em economia (meus amigos mais próximos são filósofos, físicos e engenheiros), fui estudar a lista dos laureados pela academia para buscar livros.
Curiosamente, mas não por acaso, notei que a academia mistura a premiação entre " economistas sociais" (os que não esquecem que a economia é uma ciência humana) e os tecnicistas (os economistas reducionistas que se atém à teoria econômica como se ela fosse algo que devesse privilegiar números e não pessoas).

Para mim nada pode se afastar das pessoas. 
A própria Física é mais emocionante do que se pensa e conecta mais as pessoas e o universo do que qualquer religião, pois longe dos dogmas e crendices, nos conecta a um universo como ele é e não como gostaríamos que fosse, ainda que, como lembra Gleiser, esse "é" é uma aproximação sujeita a melhorias e de acordo com a nossa interpretação.

Dito isso, minhas escolhas para estudo da economia são de autores que contemplem a economia inserida num contexto sócio cultural.

Citei esse "apanhado" de informação para ilustrar a importância de estudarmos TUDO mais profundamente, de modo a não cair (ou ao menos tentar) nas soluções simplistas e "manchetes", muitas vezes colocadas de modo tendencioso ou simplesmente incompetente. Veja, a versão de lê-las nas vitrines das bancas e de ler as "orelhas" de livros foram substituídas pelo Google, Wikipedia e afins

Vamos observar alguns discursos simplórios comuns:

  •  "O dólar subiu" como algo ruim. Por que? O equilíbrio entre os gastos com insumos balizados pelo dólar, a queda dos preços dos produtos nacionais no mercado externo (aumento das exportações) e o aumento de gastos de estrangeiros no país são de uma dinâmica grande para simplesmente se colocar esse fato como ruim. Apenas para pontuar, a China, a economia que mais cresce no mundo nos últimos anos continuamente opera com grande desvalorização de sua moeda.
  • "O PIB só cresceu x%" como algo ruim. Por que? O PIB em valores absolutos (e mesmo seu melhor substituto que é em dólar de paridade de compra) não reflete a condição social. O PIB do Japão esta negativo pelo segundo ano seguido, o da Dinamarca foi negativo também, assim como o dos países baixos que vem capengando desde 2008, e tem muito mais dentro dos países top no ranking do IDH, portanto, cuidado com as "leituras jornalísticas" de índices econômicos e também dos discursos de economistas tecnicistas, pois para um matemático que esquece do mundo humano, um monte de bilhões é bom/eficiente quando acrescido de outros montes independente de para quem ou qual seu objetivo.
  • "A economia cresceu apenas 1%". "Apenas" por que? Com matemática financeira básica descobrimos que esses "módicos 1%" correspondem a mais de 30% em uma geração (em torno de 30 anos) o que é muito! Sem avaliar como o crescimento demográfico e as tecnologias impactam nessas estatísticas o "muito" ou "pouco" passa a ser completamente arbitrário e analisando a médio prazo, nota-se que crescimentos maiores são insustentáveis (Piketty 2014)!
  • "O crescimento econômico leva automaticamente à melhoria da população". Por que? Mágica? Essa é a maior falácia do discurso tecno-economico! Não existe, eu repito, não existe qualquer fonte histórica que demonstre isso! As melhorias na distribuição de renda SEMPRE dependeram de intervenções políticas não apenas na democratização do conhecimento como em políticas fiscais agressivas. Apenas para pontuar: a classe média patrimonial surgiu na metade do século XX graças a várias intervenções políticas do estado, principalmente no modelo tributário progressivo, ou seja, o discurso meritocrático fazia (ainda que pouco) sentido há 50 anos atrás! Os EUA hoje (devido às constantes políticas neoliberais a partir do anos 80 que incluem redução tributária constante) tem a mesma mobilidade social da África subsaariana.
  • "Imposto é ruim". Por que satanizamos os impostos? Nunca assuma esse discurso tão simplório pois ele só interessa a quem detém a maior parte das riquezas. Impostos não são absolutamente bons ou ruins, porém, bem escalonados são a ÚNICA forma de redistribuir riquezas. Todas as séries históricas demonstram isso. EUA e Grã Bretanha chegaram a taxar em até 98% as grandes fortunas. A França em até 70%. E ainda hoje existem os chamados impostos solidariedade inclusive de caráter expropriatório nos principais países capitalistas. A própria tributação de heranças (ainda que alguns digam que tem pouco impacto na arrecadação) é importante a longo prazo e NUNCA desestimulou a aquisição de bens.
  • "Programas de renda mínima acomodam a população". Quem disse? Isso é completamente absurdo entre os estudiosos. A Europa já aprovou um estatuto e agora estuda a operacionalização do mesmo em seus países e os EUA já buscam soluções semelhantes.
  • "Lutar contra o neoliberalismo e o estado mínimo é coisa de comunista!". Essa é a mais patética de todas e se não fosse trágico seria cômico. Os principais economistas (CAPITALISTAS!) da atualidade como Stiglitz, Krugman, Piketty e Sen lutam contra o estado mínimo e defendem (demonstrando brilhantemente) o retorno da moralidade ao capitalismo (como interpreta bem, por exemplo, Yvone Roberts do The Guardian) afirmando ipsis litteris que isso é impossível com o liberalismo a la Friedman.
  • "Se já dirige o vota com 16 tem que ir pra cadeia também!". Pra não ficarmos só na economia temos essa tosquice da atualidade. Vários países do mundo que adotaram essa prática estão revendo suas posições e fora vários outros argumentos, ficarei apenas no básico: sem rapidez e transparência no judiciário, educação e o retorno da meritocracia à economia, não solucionaremos nada com leis, ademais, elas já existem em abundância. Para exemplificar, tomamos o estatuto dos crimes hediondos de 1990 que "iria resolver ou amedrontar" possíveis praticantes. Resultado: a taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes mais do que duplicou.

Enfim, o que quis apresentar, e é o que a ciência nos ensina, não é essa ou aquela "verdade", mas sim, que muitas vezes adotamos um discurso de outros com interesses escusos que muitas vezes nos causam mal e, acima de tudo, nos faz  passar por tolos que emitem opiniões sem o menor embasamento.

Toda leitura de qualidade é válida, mas em tempos de turbulência econômica e social, estudar economia é uma boa forma de ficar atento a determinados discursos prontos e manchetes simplórias que na maioria das vezes nos afastam da raiz dos problemas e portanto de soluções efetivas.

Vamos queimar os discursos simplistas!!!