sexta-feira, 22 de maio de 2015

Será que a lógica e o bom senso prevalecerão?

Não gosto de postar sobre dietas mas acho que este é meu terceiro (primeiro, segundo) post sobre o assunto. Meu 'sempre' e meu 'nunca' tem a mesma duração: hoje.

A pirâmide nutricional parece que finalmente será revista.
Finalmente parece que os dogmas alimentares sem sentido irão ruir, como já defendiam os marombeiros e até mesmo nossas avós. Para a única turma em que certas bobagens faziam sentido eram para as indústrias (por motivos óbvios) e profissionais que estudaram apenas burocraticamente em nome dos seus "canudos", mas como a grande imprensa e o público em geral 'engole' (trocadilho infame com o tema) qualquer coisa...

A nova orientação da Academy of Nutrition and Dietetics foi bastante enfática (do blog do Dr Souto):

  • "Deve-se notar que NENHUM estudo incluído na revisão sobre doença cardiovascular identificou a gordura saturada como tendo associação desfavorável com doença cardiovascular"
  • "Nós sugerimos que as próximas diretrizes ajudem as pessoas a adotar dietas que não são as recomendadas até hoje, tais como uma dieta de baixo carboidrato, para ajuda-las a fazer escolhas mais saudáveis dentro deste tipo de dieta."
  • "O consumo de carboidratos leva a um maior risco cardiovascular do que o consumo de gordura saturada. (...) As evidência de múltiplos estudos estimaram o impacto da gordura saturada  [no risco cardiovascular] como sendo próximo de ZERO."
  • "A Academia apoia a decisão de não mais limitar o consumo máximo de colesterol a 300 mg por dia, visto que as evidências disponíveis mostram que não a relação significativa entre o consumo de colesterol na dieta e o colesterol sérico"
  • "No mesmo espírito de não mais limitar o colesterol diário, a Academia sugere que haja uma revisão semelhante no que diz respeito à gordura saturada, tirando a ênfase da mesma como nutriente digno de preocupação. Embora haja vários estudos ligando a ingestão de gordura saturada e níveis de LDL, isso é IRRELEVANTE para a questão da relação entre dieta e risco cardiovascular"
  • "Há um consenso crescente de que uma recomendação única de consumo de sódio para todos os americanos é inadequada, devido ao crescente corpo de literatura sugerindo que os baixos valores de sódio atualmente recomendados estão na verdade associados a um AUMENTO DA MORTALIDADE para indivíduos saudáveis."
Notem o último item. É sobre o sal.
Alguns poucos bons médicos já orientavam que reduzir o sal para portadores de distúrbios de pressão só tem efetividade em pequena porção dos pacientes, mas por causa de protocolos generalistas a maioria dos outros profissionais insistia em satanizar o sal. Médicos lidam com seres humanos e não com um conjunto de órgãos, portanto, tem obrigação maior em continuar estudando e sendo críticos com pesquisas, principalmente as patrocinadas por laboratórios farmacêuticos e indústrias alimentares.
O Prof Dr Marombeiro Mauro Di Pasquale sempre alertou para os interesses da indústria alimentar na manutenção dos mitos nutricionais. 
Carne em pacote é feia, tem um péssimo marketing e baixas margens de lucro para as indústrias, as principais manipuladoras das pesquisas de dietas com altos carbos e a mítica atual do grão integral, associa-se a isso médicos tecnicistas que não estudam (além do mínimo burocrático) e acham que medicina se resume a exames/remédios e tá feita a calamidade!

Mais um duro golpe no senso  comum. Durma-se com um barulho desses.



sexta-feira, 15 de maio de 2015

Hoje empobrecemos

Hoje o mundo ficou imensamente mais pobre.
Mr Riley Ben King faleceu aos 89 anos.

Ouvi BB a primeira vez num filme (Into the Nigth) em 1989.
Metaleiro convicto fiquei maravilhado logo na primeira audição. O mergulho no mundo do blues foi inevitável.
Nenhum roqueiro que se preze deve deixar de apreciar o blues. Ninguém o deveria deixar de fazê-lo.

BB foi a porta de entrada para um mundo de emoção e cultura que me fizeram mais humano.
A história da escravidão nos EUA, a segregação, o preconceito e a cultura afro-americana.
Com BB passei a compreender como apenas 12 compassos podem ter todo um colorido emocional.
Vieram com ele Robert Johnson, Buddy Guy, Muddy Waters, Bo Didley, Albert King, Jr Wells, Howlin' Wolf, John Lee Hooker, Leadbelly, Lonny Johnson, Elmore James, T-Bone Walker e tantos outros que também me enriqueceram.

Racional e bastante emocionalmente reprimido, somente duas obras me fizeram chorar apenas de ouvi-las: Pachelbel e BB.

Certa vez assisti a um show de BB há uns 2 metros apenas, lá no Bourbon Street. Não consigo descrever a imensidão de sua obra.

O livro "BB King, Corpo e Alma do Blues" é uma boa fonte de conhecer um pouco de sua vida.
O último documentário que assisti, The Life of Riley, também guarda sua qualidade e a imensa generosidade deste blues man e ser humano ímpar.

Senti que perdi um pedaço hoje.
Ficamos realmente mais pobres.



terça-feira, 12 de maio de 2015

Representatividade e alternativas de vida - Parte III (Final)

No primeiro post desta série eu citei um exemplo da falta de representatividade crônica que vivemos, ou seja, se a decisão e o poder não emanam do povo, o ato mecânico de votar pouco faz para que nossa suposta democracia difira de uma ditadura qualquer.

Se associarmos isso à individualidade, competitividade, falta de qualidade de vida e completa falta de racionalidade no uso dos recursos naturais pelo modelo sócio-econômico vigente, o crescimento do movimento das ecovilas descritos no post anterior não é surpresa.

Pessoas que param de correr atrás do próprio rabo, reavaliam suas reais necessidades, refletem sobre seus valores pessoais e praticamente viram as costas à sociedade. Uma espécie de desobediência civil pacífica.

O processo histórico e a análise dos motivos de como chegamos a este modelo de organização social não cabe aqui (tanto foge aos objetivos como seria por demais simplório uma única postagem pretender realizar esse feito), mas de qualquer modo, ao que parece, muitas pessoas se cansaram de estudar os porque's e de lutar por alguma mudança (no sentido "panfletarista" da coisa e do voto que tem valor nulo dada a perda de representatividade já exposta).

Neste último post sobre esses assuntos quero apenas pontuar algo sobre o idílico e o possível.

A maioria das ecovilas (na sua real definição, ou seja, a de comunidades auto sustentáveis - ou quase) são organizadas por jovens, porém não é incomum encontrar pessoas de meia idade e até idosos.

Uma boa referência no planejamento de ecovilas está aqui.

Os jovens tem a característica da urgência, da pressa e do enorme idealismo.
As ecovilas bem sucedidas equilibram a urgência com o planejamento, e o idealismo com o pragmatismo e à realidade da complexidade humana.

Somos criaturas passionais, com uma confusa mistura de paixão, ódio, alegria e tristeza, com uma carga cultural majoritariamente feita nesta sociedade a que eles tanto repudiam e portanto, cujas influencias não podem nem devem ser ignoradas.

Como bem lembrou o historiador Leandro Karnal, se meditar garantisse a paz e o equilíbrio não teríamos as atrocidades que os países de ascendência budista demonstraram em sua história (recentemente vimos os monges tibetanos reagindo violentamente a ordem chinesa), e que a vida rural, como mostra a história, não é garantia de uma vida idílica e bucólica.

Estar atento as nossas características garante que diferenças não sejam ignoradas e que conflitos possam, ao menos em parte, serem prevenidos e os que aparecerem (sempre existem e fazem parte de um grupo auto gerido) resolvidos com cordialidade e discussão civilizada.
Partindo dessa realidade, criar um conjunto de regras que não pré suponham a bondade, a justiça e a cooperação humana como algo "natural" (estamos sempre pendulando entre Hobbes e Rousseau). Se essas virtudes acontecerem sem a aplicação do estatuto melhor, mas em caso contrário, as regras estarão explicitamente descritas e pactuadas.

Aliás, falando em "natural", deve-se estar atento ao que designamos de "natureza".
A natureza variou ao logo da existência do planeta e ela nunca foi "boa" ou "má" para nós ou outros animais, ela apenas existiu dinamicamente a despeito da existência ou não de vida qualquer que seja ela.

Sendo assim, a natureza que defendemos é a que estrategicamente nos é útil e na qual  queremos minimizar nosso impacto por razões bastante mesquinhas (deixemos de lado a hipocrisia). A extinção dos dinossauros, por exemplo, foi uma maravilha para nós (e a maioria dos mamíferos). 

Uma vida "natural" poderia ser aquela em que a expectativa de vida era de 25 anos, ou na qual morríamos de cólera, ou ainda, na qual um leão nos comesse, portanto, queremos o "natural" mas nem tanto.

Assumir a postura de defender a natureza que nos é interessante (deixando de lado discursos hipócritas e polianas), deixando claro a importância e a urgência dessas ações, pois para a natureza a nossa existência não é relevante. Quem precisa dela somos nós e não o contrário. Aliás, pelas evidências, ela "nos quer mortos". Resumindo, da forma com que conhecemos ou não, a natureza existirá a despeito da nossa existência.

Tendo essa clareza já se percebe que uma área de agricultura e criação que contemple todo o desejo humano, mesmo que simplificando o modo de vida, é bastante difícil ou pouco plausível.
O mais viável é ter como objetivo uma minimização na dependência externa e uma redução drástica de custos de vida, o que já gera boa segurança e independência, além de tornar opcional a aquisição de áreas muito extensas.
Cultivar e criar alguns "elementos chave" e dar margem a iniciativas econômicas, ainda que no contexto da ética e da responsabilidade social e ambiental.

O respeito ao momento privado é imprescindível, devendo haver equilíbrio entre a vida comunal sadia e a necessidade humana de momentos de privacidade e solidão.
O mesmo respeito se aplica a seus credos religiosos, sua vida sexual e suas preferências alimentares, pois não existe nem de longe consenso muito menos alguma verdade absoluta nesses temas, apesar de, convenhamos, algumas afirmações sem nenhuma condição de plausibilidade sejam discursadas aos sete ventos. De qualquer modo essas maluquices estão no direito privado de qualquer um.


Resumindo, o movimento das ecovilas é muito válido e repleto de qualidades e virtudes, mas negar completamente as características humanas e várias conquistas civilizatórias é uma insanidade.
O fundamental é o movimento de alternativa de vida proposta por elas, onde tecnologia, ética e humanismo devem ser o objetivo e o meio, ao contrário do lucro a qualquer custo e ao acúmulo doentio vigentes no sistema atual.

Já existindo aos milhares pelo mundo, elas são um movimento de resistência e oposição silenciosa, porém, são mais agressivas não dizendo nada, virando as costas ao invés de fazendo passeatas. Mas a contracultura já tem mais de 40 anos e achar que a juventude é o momento de ouro da vida e pode realizar tudo já faz "parte de uma época" e, saliento, que ignorar a complexidade humana e ter uma irracional (e hipócrita) visão da natureza torna essas iniciativas altamente passíveis de fracasso.



Algumas ecovilas/comunidades:

 

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Representatividade e alternativas de vida - Parte II

Eu tinha um (pré-)conceito a respeito das ecovilas, ignorante no assunto achava que era algo meio hippie. Estudar é romper (ou não) com seus próprios preconceitos.

A ideia não é nova, mas na modernidade foi um movimento mais sólido a partir dos trabalhos da Gaia Trust na Dinamarca em 1987 por Ross e Hildur Jackson e com grande contribuição/parceria com Diane e Robert Gilman (Context institute).
O movimento foi tomando forma e mais pesquisadores foram se juntando para definir o que seria um formato básico de uma ecovila.
Em 1995 nasce a Global Ecovillage Network com 400 pessoas ao redor do mundo.

Esse movimento não é pontual ou centralizado.
Ele tem um marco principal, mas estava pipocando ao redor do mundo e esses agrupamentos foram se conhecendo (a internet teve papel fundamental nisso), trocando experiências e conhecimentos.

Resumindo, atualmente as ecovilas se baseiam nas ideias centrais desses agrupamentos, muitos dos quais contribuíram para gerar a Agenda 21 e Agenda Habitat.

Os objetivos básicos quanto ao habitat são (da compilação de Marcelo Bueno - IPEMA):

  • Oferecer a todos habitação adequada;
  • Aperfeiçoar o manejo dos assentamentos humanos;
  • Promover o planejamento e o manejo sustentável do uso da terra;
  • Promover a existência integrada de infra-estrutura ambiental: água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de resíduos sólidos;
  • Promover sistema sustentáveis de energia e transporte nos assentamentos humanos.Promover atividades sustentáveis na industria da construção;
  • Minimizar o máximo possível o impacto ambiental no local e fora dele. Quando compramos madeira, nem pensamos que estamos pagando para alguém ir cortar arvores na região amazônica, estamos contribuindo com o desmatamento de uma das mais importantes reservas naturais do planeta. A região sudeste do Brasil segundo uma pesquisa realizada em 1997 , consumiu mais madeira de lei que a França, Inglaterra e Estados Unidos juntos no mesmo ano, e representou o consumo de 85% a nível nacional; toda esta madeira veio da região amazônica;
  • Utilizar o máximo possível materiais que existe no próprio local da obra. No local da construção sempre temos material disponível, em alguns lugares teremos pedras, em outros madeira mas quase em todos teremos terra que é um material muito usado a milhares de anos na construção.
  • Utilizar o mínimo possível materiais industrializados, dar preferência a utilizar material reciclado. O material industrializado consome muita matéria prima da natureza para sua fabricação e desta fabricação se produz muita poluição, se utilizarmos o máximo possível material reciclado estaremos barateando nossa construção ao mesmo tempo que diminuímos nosso impacto ambiental.
  • Ser o máximo possível autossuficiente em energia , água e alimentos. Hoje já estamos sentindo que o fornecimento de energia esta entrando em colapso e com isto ficando mais caro, com a água vai acontecer o mesmo, nós temos que descentralizar nosso consumo e sermos o máximo possível auto suficientes em energia, água e alimentos. 
  • Reciclar o máximo possível os resíduos produzidos pela construção, águas servidas, e lixo produzido no nosso dia a dia.
Fácil notar que nada disso faz com que se more numa "caverna" sem saneamento básico, água encanada, luz elétrica e telefone/internet (algumas muito isoladas dependem de rádio) como pensaria o senso comum preconceituoso.

As moradias atuais que usam técnicas de arquitetura orgânica e bioconstrução são superiores a alvenaria tradicional no que se refere ao conforto térmico e acústico, além de equivalentes no que se refere a segurança e salubridade, apenas não tem a "cara certinha" que estamos acostumados.

Para cumprir com esses objetivos e alterar a dinâmica social da comunidade (do modelo individualista e competitivo para o modelo colaborativo e solidário), alguns pontos principais são comuns a todas as ecovilas:

  • Ter um número próximo entre 30 a 60 pessoas (importante para concluir todas as tarefas do espectro humano no contexto da comunidade);
  • Haver ligação afetiva entre as pessoas (processo que pode ser construído ao logo do planejamento);
  • Comunhão de pensamento no que se refere ao bem comum e à coletividade (o que não impossibilita a vivência e o espaço privado);
  • Tolerância com as diferenças e prioridade na solução de conflitos;
  • Democracia direta total (o que não impede a adoção de lideranças temporárias);
  • Disposição para trabalhos manuais (lembrando que brasileiros típicos tem enorme preconceito a trabalhos "braçais");
  • Manutenção e recuperação de áreas de mata nativa, muitas vezes incluindo uma RPPN (Reserva Particular de Patrimônio Natural);
  • Área de agricultura (sempre dentro do conceito da permacultura);
  • Área de atividades comunitárias (sociais, culturais e práticas);
  • Integração com a comunidade local (responsabilidade social e não isolamento);
  • Incentivo a soluções de compras coletivas, transportes solidários e trocas (de objetos e serviços);
  • Conceito de propriedade e posse coletiva na grande maioria dos casos.

Desses pré postos pode-se perceber facilmente que uma ecovila NÃO É um condomínio fechado com viés eco e muito menos um clube de campo.

Dentro das características comuns, cada comunidade tem suas orientações. Existem as com viés religioso, as preponderantemente rurais, as tecno-racionais, e por ai vai. Cada ecovila tem a sua "cola" (viés ou orientação).

Dependendo da cola da comunidade, alguns moradores vivem (no que se refere à subsistência) exclusivamente da e para a comunidade, outros tem atividades profissionais externas e alguns fazem um mix dessas realidades.

De um modo geral, no que pude constatar, o público tem um ótimo nível cultural e uma boa convivência. É um conjunto eclético de pessoas (professores, arquitetos, aposentados, agricultores, engenheiros, terapeutas alternativos, donas de casa, programadores, etc.) que se uniram com o objetivo de uma vida melhor, mais comunal e ética (tanto no que se refere ao trato humano como ambiental). As nacionalidades também são variadas.

Atualmente o embasamento legal é bastante sólido e já se trabalha em projetos que garantam legislação específica.

No geral, as ecovilas garantem o espaço privativo, portanto, a privacidade e os direitos individuais de escolha neste espaço (religião, sexo, alimentação, etc.). Devemos atentar para o fato que isso deveria ser válido para qualquer comunidade, inclusive a que tradicionalmente conhecemos como bairros e cidades, porém, nestes casos todos propositalmente se "esqueceram" das regras sociais e de ocupação do solo e arquitetura (o código de obras municipal em geral é solenemente ignorado, assim como o "direito" a fazer o que se bem entender dentro de uma residência frequentemente ultrapassar o direito dos vizinhos).

Como as comunidade são pequenas, construidas desde o início com pessoas com pensamento em comum nos pontos críticos, com valores humanos mais decentes e com um estatuto formal democraticamente acordado, a boa convivência é mais fácil.

Na próxima parte vou postar algumas questões sobre o ideal idílico e a realidade humana...