sexta-feira, 12 de junho de 2015

Vegetarianismo e veganismo. Vamos ser racionais?

Vou começar pedindo calma e racionalidade.
Meditemos, tomemos chá de erva cidreira e entoemos mantras.

Iniciarei com algo que me parece um consenso. Uma espécie de cachimbo da paz.
O agente Smith (lá do Matrix) disse a célebre frase: "You are a virus".
Diferente do que pensam as mães classe média ocidentais, parimos (as mulheres obviamente) facilmente e somos muito resistentes. Os mais de 7 bilhões de humanos são a prova disso.

Somos a única espécie viva que altera o próprio caminho da evolução biológica e altera drasticamente o equilíbrio do seu meio ambiente, portanto, direta ou indiretamente, matamos, destruímos e pilhamos. O Dalai Lama inclusive.
O "santo ecológico" seria um suicida sem filhos, já que procriar aumenta exponencialmente seu impacto ambiental.

Bom, acho que concordamos a grosso modo nessa primeira parte.

Agora vamos ao assunto principal. É agora que a aumenta a tensão.

Comer carne faz mal e/ou seu consumo reduz expectativa e/ou qualidade de vida.
Não há evidência nenhuma que sustente isso, nem sequer do ponto de vista da biologia evolutiva.
O inuits comem quase exclusivamente gordura de foca e não tem hipertensão nem diabetes e nosso aparelho digestivo é tipicamente um sistema de processar tudo. Veja nosso intestino por exemplo, nem tão curto como de um carnívoro nem tão extenso quanto de um herbívoro.

Bom, essa segunda parte gera pequenas discussões, mas somente entre uma minoria mais tosca.

Agora na terceira parte o bicho pega!

Meus amigos veganos alegam que não matam animais para se alimentar.
Muito nobre, porém de boas intenções o inferno... chavão admito, mas...

Simploriamente (ah o reducionismo) afirmamos que se algo vivo não tem um sistema nervoso similar ao nosso ele não sofre.
De cara já pegamos dois problemas nessa abordagem: a afirmação do sistema nervoso em si e a concepção de sofrimento.

Pesquisas recentes indicam que as plantas sentem cheiro, armam emboscadas, atacam, se retraem sob ameaça e uma série de ações que no mínimo são perturbadoras e remetem fortemente a questionamentos, os mesmos que citei no parágrafo anterior que nem sequer requeriam pesquisas, mas que a luz da modernidade ficam mais evidentes.

Outro fator é o impacto indireto de uma alimentação extensivamente vegetal no bioma regional ou não. Como se garante que isso não mata indiretamente talvez em mesma proporção? Não existem dados de longo prazo a esse respeito.
Portanto, o discurso de que "não como carne porque sou bonzinho" é ingenuidade ou, novamente, hipocrisia.

A questão do que é o "sofrimento" para os veganos é de uma simplicidade na estrutura de pensamento brutal. A tal da senciência é uma visão simplória e antropocêntrica a cerca dessa e de outros detalhes a cerca da consciência.

Certa vez um vegano acabou chegando há algo como "é que estatisticamente parece que as plantas não sofrem"... 
Uma vez demonstrada que sua fé estruturada no pensamento de que somente seres vivos dotados de estrutura nervosa similar a nossa é que sofrem é completamente reducionista e principalmente arbitrária, o dogma parece ficar abalado.

Nem sequer necessita-se ir mais a fundo na abordagem filosófica a respeito do sofrimento. É extensa e desnecessária para a nossa discussão.

Fiz um levantamento de paridade calórica bastante superficial, mas que dá uma ideia da dimensão do problema. É uma brincadeira tosca, mas divertida.

Boi* (fonte holocaustoanimal.com/EMBRAPA) :

- 300Kg (peso médio) = 360.000cal (4 cal/g de proteína numa média de 30% de proteína por Kg de carne);
- ocupação média de 6 a 7 animais por hectare, ou seja, 1666m2 de terra cada;
- consumo de 16000l de água / Kg de carne produzida, ou seja, para os 300Kg são 4.800.000 litros de água.
* se fossem porcos ou frangos a ocupação de terra e uso de água seriam absurdamente menores
Alface (fonte EMBRAPA):

- 140g (peso médio) = 21cal;
- para a mesma quantidade calórica de um boi considerado (360.000cal) são necessários 17142 pés de alface;
- tomando por base a tradicional recomendação de 9 pés/m2 essa quantidade total usa 1900m2 de terra;
- sendo usados em média 32 litros de água/dia/m2, isso resulta em 60.942 litros de água/dia * 100 (dias para colher na média) = 6.094.200 litros de água.


Interessante não?

Mais uma vez me parece aquele sistema hipócrita de separar as latinhas (o que é fácil) na reciclagem e usar fraldas descartáveis na cria (mais difícil e infinitamente mais problemático ao ambiente) ou então de defender as ciclovias e estar sempre de carrinho novo e celular último tipo.
 
A cadeia produtiva é que realmente impacta o ambiente. É a busca frenética pelo lucro que gera frangos confinados com luz 24 horas por dia, bois massacrados e cheios de hormônio, gansos torturados em busca de um bom foie gras, lagos de resíduos tóxicos que dizimam ecossistemas inteiros, etc, etc, etc.

Devemos sim discutir a ética no trato dos animais, evitar sofrimentos abusivos e desnecessários e, claro, consumo excessivo de carne (parte essencial do sistema capitalista).

Mas retornando ao início, somos uma espécie que mata, destrói e pilha, mas que também pode ter solidariedade, compaixão e ética. Devemos tentar reduzir nosso impacto ao mínimo
sem esquecer quem somos e nos desviando de discursos simplórios e hipócritas.


Respeito meus amigos veganos/vegetarianos da mesma maneira que respeito quem gosta ou não de jiló, mas aceitar uma opção não significa admitir que alguma preferência seja a detentora da moralidade, da justiça e da verdade.

Não basta discursos cheios de boas intenções porém vazios.
Somos o Dr Jekyll e o Mr Hyde ao mesmo tempo.
Somos todos pecadores, porém a hipocrisia é o pior dos pecados.


http://gizmodo.uol.com.br/este-lago-acumula-todo-o-lixo-que-nossa-necessidade-por-gadgets-produz/

Ainda que filosoficamente podemos questionar tudo, algumas referências para tal:

http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/a-inteligencia-das-plantas-revelada/
http://pijamasurf.com/2014/10/malas-noticias-para-los-vegetarianos-las-plantas-sienten-cuando-se-las-estan-comiendo-video/ 
http://revistagloborural.globo.com/Colunas/planeta-bicho/noticia/2014/07/plantas-ouvem-quando-estao-sendo-comidas.html
http://www.ndig.com.br/item/2014/10/ms-notcias-para-os-vegetarianos-as-plantas-sentem-quando-esto-sendo-comidas  
http://portugalmundial.com/2015/03/plantas-tem-memoria-sentem-dor-e-sao-inteligentes/#
http://www.altosestudos.com.br/?p=52568







segunda-feira, 1 de junho de 2015

Quem precisa de Deus para ser espiritualizado?

Sam Harris trata disso no seu "Espiritualidade sem Deus" e Carl Sagan sempre era sereno ao responder sobre a morte ("um sono sem sentido") e sobre seu ateísmo cético quando era indagado sobre esses assuntos durante seus últimos meses críticos com câncer.

Mas vamos a esse belo texto extraído de um manual da Transictions Network: 

Conexão com a Terra – a jornada lírica do átomo do carbono

O carbono é o tijolo do edifício da vida e aqui veremos uma das fases desta interminável jornada, em uma adaptação de um ensaio de Primo Levi. 
Se alguma vez você pensou que estava desconectado com este planeta, este ensaio vai lhe esclarecer, pois você tem cerca de 700.000.000.000.000.000.000.000.000 (setecentos septilhões) de átomos de carbono no corpo (que representam 10% da massa corporal), sendo que cada um já executou incontáveis danças, não diferentes desta que vamos ver agora... 

"Nosso átomo de cabono se mantém há milhões de anos ligado a três átomos de oxigênio e um de cálcio, sob a forma de calcário, não muito distante da superfície da Terra.
A qualquer momento, um golpe de picareta pode soltá-lo para levá-lo a uma caieira (forno de cal), lançando-o no mundo das coisas que se alteram. Ele é assado e, ainda junto a seus companheiros de oxigênio, é lançado pela chaminé e encontra o caminho do ar. Sua história, que antes era estática, se tornou tumultuada. 

Ele foi apanhado pelo vento, arremessado à terra e lançado a dez quilômetros de altura. Foi respirado por um falcão, desceu até seus íngremes pulmões, mas não penetrou no sangue e foi expelido.

Foi dissolvido três vezes pela água do mar, chegou às águas de uma torrente caudalosa e mais uma vez foi expelido. Viajou com o vento durante oito anos: algumas vezes no alto, outras, mais baixo, no mar ou entre nuvens, sobre florestas, desertos e a interminável imensidão do gelo, até tropeçar e cair preso na aventura orgânica.

O átomo de que estamos falando nasceu com o vento perto de uma fileira de videiras. Ele teve a sorte de se esfregar numa folha, penetrar nela e se fixar ali por um raio de sol.
Agora nosso átomo formou parte de uma molécula de glicose. Viajou da folha para o caule e dali desceu para um cacho de uvas quase maduras. O que aconteceu depois foi da responsabilidade dos vinicultores.

O destino do vinho é ser bebido. Quem o bebe fica com a molécula no fígado durante mais de uma semana, bem enroscada e tranquila, como uma reserva de energia para um esforço súbito, uma esforço que terá de fazer no domingo que vem, perseguindo um cavalo em disparada...

O átomo foi arrastado para fora da corrente sanguínea e foi parar numa minúscula fibra muscular do quadril... e, depois, como dióxido de carbono, foi expirada e voltou ao ar.
Mais uma vez com o vento, mas desta vez mais longe, ele cruzou os Apeninos e o mar Adriático, passou pela Grécia, pelo mar Egeu e por Chipre: estamos sobre o Líbano. E a dança se repete.

O átomo agora penetra e fica preso ao respeitável caule de um cedro, um dos últimos. Ele pode ficar no cedro até 500 anos, mas vamos dizer que, depois de vinte, uma larva de caruncho se interessou por ele e o engoliu.

A larva de caruncho se tornou uma pupa e, na primavera, surgiu sobre a forma de mariposa que agora morre sob o sol, confusa e fascinada pela beleza do dia. Nosso átomo está em um dos mil olhos do inseto.

Quando o inseto morre, ele cai no chão e é enterrado sob a vegetação rasteira da floresta. Aqui entra em ação o onipresente, incansável e invisível microrganismo do húmus. A mariposa lentamente se desintegrou e o átomo mais uma vez ganhou asas. 
E alçou vôo... até chegar a um momento de descanso na superfície do mar, e então lentamente afundou. Uma alga marinha de passagem se apropria do átomo para construir a extremamente delicada concha de carbonato de cálcio. Ele logo morre e desliza até o fundo do oceano, onde se compacta com trilhões de companheiros e seus átomos de carbono.

Passada uma era geológica, os movimentos da placa tectônica trouxeram esse sedimento - agora um penhasco cretáceo - para a superfície da terra, expondo nosso átomo mais uma vez à possibilidade de voar na complexa dança da vida."

Agora olhe para a sua mão – uma cicatriz, talvez, ou uma unha. Pense nisso como menos que uma mão, mais como um lugar de descanso temporário para incontáveis átomos de carbono. Um lugar em que eles estão fazendo uma pequena pausa antes de prosseguir na vasta e interminável jornada que passa pelas profundezas dos oceanos, o céu mais alto, os dinossauros que viveram antes de você e as criaturas com que nem sonhamos e que virão depois de nós.


Já se sente conectado?