Achei que tinha ido a meu primeiro mutirão.
O evento não foi chamado de mutirão, mas de oficina.
Dependendo da definição pode se julgar que não foi uma coisa nem outra. Se o meu
relato for confiável julgue você mesmo.
Além de cética óbviamente é uma análise
pessoal.
De maneira geral sempre achei os mutirões, que não são
novidade nenhuma, muito positivos. São pessoas se organizando pelo bem comum ou
individual, se livrando das garras da iniciativa privada, do capital e do
monetarismo e, mais importante, criando um senso de comprometimento e união da
comunidade em torno de assuntos de seu interesse.
Essa oficina foi organizada por uma ONG de Santos que
organizou e mobilizou as pessoas em prol de uma comunidade em Itanhaém, litoral
sul de SP. Basicamente foi (no momento desta redação está sendo e aliás há mais
de uma ano) para criar um espaço público num terreno da prefeitura, limpando,
plantando, criando um lago, um campinho, arquibancada e áreas de jogos com
mesas, cadeiras e pergolado.
Além de ajudar, as pessoas (que vem de várias cidades
diferentes) também aprendem a lidar com diversos tipos de materiais e técnicas
como construção em solo-cimento, ferro-cimento, estruturas com bambu (moveis e
seu uso na construção), etc. Tudo depende das necessidades e do projeto em
questão.
As pessoas que conheci são muito legais e de bom papo.
Gringos, universitários, “ativistas crônicos”, “new hippies-doara”, “patricinhas
que querem incluir fotos de como sou legal no facebook”, etc. Um senhor de 81
anos também foi, o que não permitiu que eu fosse o ancião do grupo. Aliás depois
descobri que ele é de Peruíbe e pai de uma moça que conheci numa reunião da
“talvez futura comunidade”.
Unem-se na hora moradores também, inclusive alguns que
resolvem descolar um rango, água e sucos pro pessoal.
A organização é meio precária pois depende muitas vezes de
doações, disposição de materiais e boa vontade da iniciativa privada ou pública,
apesar de que isso quase que na maioria das vezes é feito à revelia do poder
público.
Dado o tipo de atividade e sistema envolvido isso não
chega a ser um complicador.
O “orientador” foi um japa (codinome ‘Peetssa’) muito
gente boa e com vivências na África, Amazônia e outros lugares que não me
recordo. Por coincidência ele e outro sujeito que estavam lá estão tentando uma
comunidade em Pedro de Toledo, aqui perto.
Fizemos um aquecimento ao chegar, com alongamentos e uns
lances meio yoguis-taichi-sei lá o que.
Baboseiras energéticas à parte foi gostoso, relaxante e ao
mesmo tempo nos preparou bem para o trabalho.
Trabalhamos bastante numa pegada forte e bem produtiva. A
orientação era do tal “Peetssa” mas a dinâmica dos trabalhos mudava
constantemente até de forma meio intuitiva, quando uns cansavam de uma coisa iam
fazer outra, outros faziam uma pausa pra descansar e beber água, etc.
Levei uns lanches pois não sabia como rolaria essa
questão.
Na hora de rangar fomos pra uma escola municipal ao lado
onde umas moradores fizeram umas comidas e descolaram umas bebidas, que
associados ao que um ou outro levou deu um piquenique legal.
Minha pegada escrota não poderia deixar de anunciar que
meu almoço continha carne pois eu sou um “vegetariano radical que só come
vegetais processados por outro animal na forma dele mesmo”. Para minha surpresa
não apanhei, houveram risos e outras pessoas anunciaram que mandavam um bicho
morto pra dentro também. Claro que teve uma ou outra mocinha xiita que fez cara
azeda de desaprovação moral.
De modo geral, apesar do cansaço e de uma leve queimadura
solar, foi tudo legal. O segundo dia (domingo) foi no mesmo esquema mas desta
vez nem levei rango e fomos ralando até às 19:30.
O que me incomoda então?
Inicialmente o nome. Creio que o mais apropriado seria
trabalho voluntário e fim de papo.
Bem, o papo das “energias e chakras” é outro, mas isso é
bastante tolerável e eu simplesmente faço cara de paisagem e emito aquele
clássico ‘humm, certo’, e no mais, as atividades em si são iguais a qualquer
alongamento de marombagem em si. Como eu sempre digo, um cético ateu pode ser
solidário e ter compaixão, discussões inseridas na
ética, matéria em discussão há quase 2500 anos (tomando
como referência a Grécia antiga, pois nem estou contando outras culturas
orientais ateístas ou até mesmo pré-americanas) sem a necessidade de nenhuma
divindade ou demais trololós místicos, mas cada um que fale com o duende que
quiser.
Os derradeiros e mais importantes são os
“primo-irmãos” a seguir.
A sensação de ser um intruso na comunidade paira no ar. Os
bacaninhas que participam e ajudam de várias formas são minoria, pois a maioria
(esmagadora) sofre da falta de educação tradicional e da completa falta de
engajamento, portanto caras de espanto e estranhamento são frequentes.
Vandalismo também.
A desconfiança a cerca do processo das ONG`s também me
acompanha. Talvez seja o viés capitalista cochichando no meu ouvido, talvez não.
A ONG apresenta um projeto que é aprovado por um banco público que libera a
verba, e esta realiza o trabalho com o uso quase que exclusivo de um grupo de
voluntários. Sistema informado diretamente pelos responsáveis.
As ONG`s (generalizanto talvez injustamente) e essa
“sensação de ser intruso” evidentemente estão entrelaçadas. Ao invés do projeto
ser levado à comunidade (longas coversas com uma maioria e não “meia dúzia”)
para que se discuta e se chegue a soluções comuns e com uma boa parte desta
coletividade envolvida nas questões, essas entidades quase que vem como o “ser
magnânimo que vem trazer benefícios a ela”. Esse processo verticalizado
praticamente aniquila o conceito original dos mutirões ainda que sobrem boas
intenções e idealismos juvenis (ou apenas alguns créditos na faculdade, pontos
na empresa ou fotinhos de “como sou bacaninha” no facebook) e
fatalmente gera as tais “caras de espanto e estranhamento”.
Nesse bolo de sensações fica aquela impressão de
inutilidade do esforço, com uma ONG que (ainda supondo sua total idoneidade)
organiza as coisas verticalmente de baixo para cima com o inevitável
descomprometimento da comunidade e com uma grande maioria de moradores que acha
uma bela merda aqueles “playboys dando uma de bonzinhos que só querem massagear
seus egos”.
Veja, são sensações conflitantes, mas infelizmente elas
tem motivos de existir.
No final de novembro ficarei um fim de semana num mutirão
numa ecovila que já visitei.
Acho que esses mutirões se enquadram mais nos meus ideais
e nos “seus conceitos clássicos”. A comunidade em questão é uma que você
participa ou ao menos simpatiza, todos tem o cuidado com todos (o processo é
horizontalizado) e não há influência de nenhum “grupo organizado”.
Enfim, o bom de ser cético é que sou cético inclusive com
os meus julgamentos.