terça-feira, 29 de novembro de 2016

A complexidade das humanidades

A dificuldade da formação de grupos coesos mas realmente pluralista. O que fuçamos por aí...

Considerações pessoais meio sem pé nem cabeça (como a associação dos surfistas de Pernambuco)*

Experiências sociais são sempre coisas cheias de sinuosidades, ramificações e incertezas, para quem é nativo da área de exatas (como eu) em especial é um aprendizado mais doloroso e difícil.

Um físico amigo meu (físicos que, como ele, se especializam em materiais e acabam como um engenheiro disfarçado são ‘naturalmente’ tecnicistas, em especial quando o pai é um Col Nordestino, advogado, com discurso self made man) disse que é um porre essas incertezas, nuances e aparentes idiossincrasias das humanidades.

Os “nativos das humanidades” teriam uma “natural” facilidade em lidar com isso. Se fossem originários de Marte...

Infelizmente o status quo social atinge a todos. Mas vamos Imaginar que para estes seria mais fácil.

Fora estes, há os “sem formação definida” e que ainda por cima, por causa da nossa pobreza educacional não tem muita “bagagem” (não querendo generalizar mas correndo o risco de parecer preconceituoso), ou seja, educação geral falha, pouca leitura, etc, a coisa não melhora muito também, afinal, estão sob a ideologia da comunidade estética (vide Baumman e Debord), onde parecer é mais importante que ser; compromissos com a ética são vistos como perda de liberdades individuais e o “coletivo” ou “comum” são palavras que denotam inferioridade, perda, incapacidade, etc.

Os achados

Dito de maneira confusa isso, como é difícil agrupar pessoas numa experiência social.
Chamo de experiência pois não temos mais as certezas das respostas ou as receitas prontas para serem consultadas, “criar” a alternativa é algo que supomos ser uma resposta ou opção. Encarar essa não resposta e essa não certeza será a eternidade de um grupo pluralista de verdade.

Das pessoas que conheci nessa jornada (ainda no começo admito – nunca estarei totalmente preparado nem terei totalmente “o conhecimento”, caso contrário seria completamente paradoxal ao que se deseja criar) poucas pessoas tem uma aproximação melhor e mais realista da coisa toda e de fato estão prontas para o encontro com opiniões discordantes (uma coisa essencial para quem quer uma comunidade pluralista e integradora pois, de outra forma, cria-se uma seita).

Os “jovens engajados” geralmente são cheios de boas intenções e idealismos, porém, por causa da falta de conhecimento acabam querendo se “juntar aos semelhantes”, como se isso fosse um sinônimo de bom grupo social. Ao contrário, criam uma seita de pessoas que, como todas, reforçam entre si suas crenças, se cristalizam e os conflitos aparecem de qualquer jeito e/ou, no caso dos mais adeptos das filosofias orientais, são engolidos de qualquer jeito.

Entre eles se concentram mais os radicais xiitas de alguma vertente, desde os religiosos até os “alimentares” ou que desfilam alguma bobagem qualquer acerca de um suposto “conceito monoteísta” de sofrimento e violência.

Nos mais “maduros”, digamos acima dos 35 anos, apesar da avalanche de desculpas esfarrapadas do tipo “tenho filhos”**, “minha companheira(o) não aceita”, “não tenho dinheiro”, “tenho que levar minha vó na musculação” e por aí vai, foi onde encontrei as melhores mentes.

Existe um equilíbrio entre o “mudar de vida”, as “questões ambientais” e as “questões sociais” (não se resumindo a problemas sociais externos, mas os inevitáveis internos também).

Entre essas pessoas, tendo alguma história mais ou menos longa no paradigma atual (exploração, moralismo, pasteurização mental, acúmulo, propriedade, etc) este processo novo é uma mudança aparentemente maior, daí o receio com a subsistência e outras resistências são mais aparentes, parte por motivos “óbvios” e outra por motivos não tão óbvios assim. Os “óbvios” são tranquilos de descrever:
  • todos precisamos sobreviver, ou seja, a que se preparar para isso porém nem tanto a ponto de querer uma segurança inatingível;
  • um grupo por segurança jurídica deve ter uma formalização (CNPJ, geralmente num formato de associação) e isso requer investimento, ainda que pequeno;
  • uma terra em nossa sociedade tem sempre um proprietário portanto, é necessário ter a verba para adquiri-la (os casos de invasão, posse, etc, devem ser avaliados, mas a princípio, como ninguém quer ser um revolucionário ou mártir, vale a máxima: a Cesar o que é de Cesar);
  • estando a terra adquirida, é necessário mantê-la (impostos, taxas, etc);
  • depois é necessário fazê-la produzir (no caso de grupos que queiram alguma segurança alimentar por necessidade ou opção).
Os não tão óbvios tem certa complexidade e pairam como uma nuvem em todos, alguns tem mais clareza disso e outros menos. A grosso modo eu citaria:
  • é necessário manter a coesão e o saudável e pacífico gerenciamento de conflitos***. Muitos não tem essa capacidade e são cristalizados, porém não tem essa clareza sobre si próprio, o discurso é diferente da ação;
  • muitos não sabem realmente qual o seu grau de desapego, e nesse caso os medos ficam maiores, afinal, se eu nem sequer sei até aonde posso ir como encarar um desafio “desconhecido”;
  • muitos se preocupam excessivamente com a questão geográfica até mesmo por motivos emocionais, esquecendo que um grupo que se importa e se cuida deveria ser mais importante, afinal, em qualquer lugar essa “nova vida” será viável – ou não;
  • muitos apesar do ótimo caráter, ainda guardam o viés competitivo da sociedade onde vivem e “monetizam” tudo e exercem “disputas de poder” desnecessariamente, tipo, se eu aceitar tal lugar o proponente “ganha” e/ou “tem mais poder” (sempre me perguntei: porque não se juntar a quem já "migrou"? Os suportes e vantagens são variados e nada é necessariamente para sempre).
As que resistem e as que resistiram

Dentre as comunidades existentes e as que nem sequer existem mais, o problema mais comum não são/foram os conflitos (como poderia se supor inicialmente) ou o local geográfico do projeto, mas sim a completa falta de condição de se manter aquele e/ou naquele local.

Muitos abandonos de jovens idealistas que viram os novos exploradores (dos que eu conheci a maioria) e os demais que se deparam com suas próprias necessidades (às vezes maiores do que o discurso de simplicidade de outrora) e não conseguem as suprir somente com um monte de terra.

A fé ou o “pensamento positivo”**** (ou mágico como queira) não resolve nada.

Nesse momento, a coisa começa a ruir, pois a limitação material é total ou muito grande; alguém sofre um acidente e descobre que seria bom ter ao menos um UPA por perto e por aí vai.

Nessa preparação e para a saída da zona de conforto, admito que é entre os mais velhos a maior concentração dos cagões, ops, foi mal, chamaremos eufemisticamente de “cuidadosos”, afinal, eu admito que em parte estive entre eles.
Demorei pra dar um bico, mas uma hora a coisa tem que ir. CNTP não existem na vida.

Ó Senhor, os mortais médios tem salvação?

Eu diria que uma forma muito boa pra quem não tem uma fonte de renda mínima fora da cidade*****, ou fora do sistema (ao menos parcialmente) como dizem, é fazer com que esse grupo seja uma força de trabalho ao estilo cooperativa antes mesmo da terra em si. 

Isso gera mais segurança entre as pessoas, aumenta o sentido de cooperação e é um bom teste para saber como esse grupo vai se dar perante os problemas.

Vencido está etapa, a “transição” já foi efetuada de uma maneira menos traumática e os problemas da futura terra passam a ser apenas um item de um sistema colaborativo já implantado, ou ao menos parcialmente implantado.

Enfim, ao invés de conseguir reunir os 200 ou 250 mil****** e depois sair na pauleira pra conseguir manter a propriedade e a si mesmo (existem claro os que já tem alguma renda mais ou menos garantida por exemplo se tiver algum trabalho remoto ou coisa parecida), o grupo se prepara antecipadamente.

Operacionalmente imagino que locando uma propriedade que comporte as pessoas iniciais com privacidade entre si, segurança e possibilidade de se fazer algo que gere renda é, como dizem, cair pra dentro!

Claro que existem alguns ‘mas’ no ‘locando’, porém são de operacionalização mais rápida e prática do que toda uma aquisição e preparo de grandes áreas.

Enfim, vamos que vamos, sonhar com coisas é fácil: rápido de conseguir e mesmo frustrando, coloca-se outras coisas na fila de novo, mas sonhos sociais são bastante complexos. 😥


Notas exóticas de quem vos escreve
*Piada politicamente incorreta sobre o ataque de tubarões em Pernambuco.

**”Você não tem filhos e você não entende” é uma carteirada comum. Se ambos estivessem vivos e eu tivesse que perguntar algo sobre a Lua, o faria com certeza a  Carl Sagan e nunca a Neil Armstrong (captou?😉)
 
*** Novamente vou de Richard Sennet: “Nesses debates, vimos que adotar um caminho alternativo e solidário pode ser muito mais difícil e conflituoso do que seguir a maneira habitual de ação. Solidário e conflituoso não sendo, portanto, conceitos opostos, pois saber lidar com o conflito de forma respeitosa e acolhedora é o que faz um caminho solidário – e não a supressão do conflito.”

****Infelizmente (ou felizmente) nem a fé nem o “pensamento positivo” tem qualquer impacto na natureza (coloque a semente na terra e fique ali rezando e pensando que ela vai te dar frutos e vc verá que a que está do lado nas mesmas condições e sem esses “procedimentos” se comportará a grosso modo da mesma maneira). Sorry, Papai Noel não existe. 😢✌

*****Vida boa em cidades com mais de 100 mil habitantes é praticamente uma incongruência: falta de espaço, preços altos, violência latente (muito pior do que a violência clássica – se é que isso existe – é a violência latente nas pessoas todas), ar podre, falta de horizontes naturais... só isso dá outro texto...

******É uma coisa típica desse mundo: seja no Acre ou RS, se vc tem que chegar a uma terra de jegue, helicóptero ou teletransporte da Enterprise a terra é barata; se for perto de algum centro comercial, UPA, acesso a internet, etc, é mais caro. Pasmem, até as quantias são mais ou menos semelhantes! Parece como a origem do percentual dos alugueis que vem de um percentual médio que os aristocratas calcularam sobre suas terras, isto é, o quanto eu devo cobrar para que eu possa viver minha vida de ostentação e ócio não criativo, daí os tais +/-5% do valor da propriedade ao ano.