quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Mea culpa, debates e a praga zen

Este fim de ano fiz uma reflexão a cerca de minhas posturas perante os amigos incentivado por críticas (não tenho nada contra boas análises, pois 'crítica' é análise) obtidas indiretamente, vulgo “me disseram que”.
Coincidentemente li há pouco um texto do Alex Castro sobre “As prisões” (no caso “A prisão do conhecimento”).

Suas colocações a cerca do pensamento narcísico,  repressões e ideologias educacionais são muito pertinentes e amplamente “aceitas” e “debatidas”.

Mas a visão buNdista da troca de saberes é bastante suspeita.
O budismo, apesar de lindos ideais (toda religião – ainda que muitas não se definam como religião por questões semânticas - tem a sua parte boa), não escapa de sua origem de doutrina pacificatória e de controle de massas. Basta estudar a história, de preferência por autores não budistas, claro.

Não opinar, não debater, etc, também é uma posição política e evidentemente moral. O moralismo pode se manifestar na não manifestação também.

Aliás, a mesma educação conteudista que reprime o livre pensar é, obviamente, a que não educa para o debate, já que, como lembram meus amigos filósofos da educação, os professores educados nesse sistema tendem a usar a autoridade e não a retórica para um diálogo com seus alunos.

De qualquer modo, admito que não sei exatamente (e provavelmente nunca saberei) como manifestar certas posições sem parecer arrogante ou impositivo. Claro, tento manter isso em mente e tentar me refinar ao longo da vida.

Toda filosofia nasceu da retórica.
Não criamos nada e nossa opinião é meramente um aglomerado de “outras pessoas”, portanto, como crescer (no sentido intelectual e de vida) sem trocar ideias?
“Mas quer ser livre, como outros desejam uma coleção de selos. A liberdade é seu jardim secreto. Sua pequena conivência para consigo mesmo. Um sujeito preguiçoso e frio, algo quimérico, razoável no fundo, que malandramente construiu para si próprio uma felicidade medíocre e sólida, feita de inércia, e que ele justifica de quando em vez mediante reflexões elevadas. Não é isso que sou?” – Jean-Paul Sartre, A idade da razão.

É evidente que sabendo disso, a premissa de “não ter certeza” está (ou deveria estar) sempre presente.
Só sei que nada sei, e o fato de saber isso me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa.” – Sócrates

Por outro lado, como questionar sem ofender, ser violento ou parecer arrogante?
Ninguém sabe a resposta, até porque, a interpretação do outro não está sob nosso controle.

O debate, não impositivo, não competitivo e não moralista é a base humana da formação de conhecimento. Se algum antropólogo achar uma “tribo de um só” que nasceu sozinho e viveu isolado com alguma espécie de “conhecimento mínimo” por favor me avisem.
Sem o exercício do diálogo (ou debate, ou discussão, como queiram) só sobram as polarizações raivosas e um mar de malas zen budistas.

O fato é que realmente me empolgo com determinados assuntos e determinadas descobertas e saio como uma criança que ganhou uma bola nova de encontro a meus amigos para partilhar.
A partilha invariavelmente será julgada de várias maneiras alheias ao nosso objetivo.
Alias, julgar é uma condição humana ancestral que nos permitiu sobreviver. Imaginem uma neandertal andando numa mata fechada quando de repente ouve um ruído desconhecido? Bem, os que não prejulgaram em sua maioria, eufemisticamente falando, não propagaram seus genes.

O problema não está no julgar, mas na postura cristalizada de não refazer esse julgamento com base em novas perspectivas, portanto, o julgamento, como qualquer outra posição, é uma não certeza.

Partilhar as ideias será quase sempre um debater.
Não quero ter razão, até porque, quem tem razão (no sentido de ter certeza) é justamente o cristalizado que desejo evitar.
O fato de muitos se sentirem intimidados e “acharem que” sem mais argumentos, foge o meu controle, apesar de, como eu disse, continuamente tentar achar meios de expor alguns achados sem parecer impositivo.

Sempre quis partilhar pequenas descobertas e pequenas conquistas de serenidade com meus amigos não no intuito de “apresentar a receita”, mas sim no sentido de demonstrar que sempre podem haver alternativas e muitas vezes elas estão longe do “natural e óbvio” (entenda como ideologia).

Mas sim, preciso tentar ser mais delicado, pois mesmo uma 'não posição' de ”será que?” para um ouvido cristalizado e despreparado para uma troca civilizada de ideias gerará reações desproporcionais.
De qualquer modo tenho que analisar o excesso de discurso/debate e me esforçar para fugir das tendências narcisistas comuns no mundo atual, afinal, como eu escaparia ileso disso?

Somos humanos, vamos evitar essa praga das “não-posições zen” que estão na moda (anteviu bem André Comte-Sponville). Não precisamos ser violentos, maniqueístas e cheios de certezas, mas é imperativo para a sociedade que aja debate e, devemos admitir, sermos confrontados/questionados gera desconforto e reações emocionais.

É gafanhoto, não quer alterações no seu “equilíbrio energético” tome sempre seu Rivotril e/ou converse apenas com o ascensorista ou seu pet, ainda assim...


domingo, 11 de dezembro de 2016

Afinal, como foi o downsizing de vida?

Sempre morei em grandes cidade.
Nasci em Porto Alegre, fui para São Bernardo do Campo e de lá para São Paulo.
Já tive ilusões acerca das metrópoles. Normal. Jovem, pouca experiência, fatalmente pouca leitura/conhecimento e com uma imagem (não criamos nada, no máximo assimilamos com um toque pessoal... que também não é nosso! rs, e viva Sartre!) fantasiosa a cerca delas.
Com o mínimo de manutenção do senso crítico e boa dose de racionalidade, a ilusão começa a ruir com o tempo.

 Blade Runner
 
Beijing

São Paulo

Tirando os que são fanáticos por quase diariamente ir a “baladas”, centros culturais variados e às mecas das comunidades estéticas (os shopping centers e similares), o único motivo para alguém continuar nelas é a zona de conforto. Ah, sim, esqueci os crentes na "medicina da vida eterna".
Lembrando que zona de conforto é estar e querer permanecer no conhecido, ter resistência à mudança, etc. É o conforto do conhecido, o esperado, não necessariamente o “bom”.
Escrevi “quase diariamente” pois na “frequência normal” posso ir tranquilamente para a crazy sampa.

Há também os que necessitam passar desapercebido, coisa mais complicada em cidades pequenas dada a jequice das mesmas, onde o moralismo é maior. Por exemplo os homossexuais que são mais discriminados... se bem que talvez menos frequentemente espancados e assassinados... bem, essa é outra discussão...



Nunca havia morado em cidades pequenas, só estudei e avaliei teoricamente a cerca disso.
Minha primeira análise lógica foi: menos pessoas menos incômodos.
As demais vantagens estariam numa zona um pouco “menos experimentada”: mais humanidade, mais natureza, e outras suspeitas a serem confirmadas.
A expressão “menos experimentada” foi utilizada pois morar é bem diferente de ser um turista.

Apenas pelo argumento lógico eu já havia aceitado que necessitava tornar prática a ideia.
Mudando, foi tiro e queda: silêncio, ar mais limpo, água mais pura, facilidade de locomoção e mais espaço.
Importante frisar que nunca busquei o paraíso perdido, a perfeição platônica ou até mesmo a fuga de meus próprios problemas internos. Acredito tanto nessas coisas quanto em Papai Noel.
Bucolismo Star Wars by Thomas Kinkade

A parte suspeita foi se confirmando com o dia a dia e, claro, com a minha mudança de ritmo.
A primeira coisa é o desarme, ou seja, a redução ou eliminação da violência latente, aquela que só percebemos quando ficamos “desintoxicados” das metrópoles.
Agora quase ninguém ao redor está com uma faca na mão e outra entre os dentes.
As pessoas cedem passagem com sorriso, deixam você entrar de carro numa rua, puxam papo tranquilamente, etc.

Aliás, esse último quesito é muito interessante.
Eu mesmo não gostava dessas coisas. Prezava pela tal “privacidade” ou “indiferença”.
Estar desarmado e menos violento faz com que gostemos desse preocupar, pois no fim, um papo furado é um olhar para outro ser humano e até mesmo um se preocupar com o outro.
Facilmente por aqui  entro numa adeguinha pedindo uma aguardente (cachaça mesmo) específica e um senhor de 80 e tralalá puxa um papo sobre as boas cachaças e me indica um local e uma marca para experimentar.

Uma coisa de aparente insignificância que transforma uma simples compra, numa experiência social acolhedora, de troca de saberes e ilumina seu dia. Para os metroneuróticos uma “invasão de privacidade”.

Meus amigos me perguntam, mas e o custo de vida como pode ser mais barato? Uma geladeira por exemplo não tem o mesmo preço aqui ou aí?
Realmente os bens duráveis (no moderno capitalismo e sua obsolescência programada, não existe nada mais durável) são praticamente iguais, fora que em tempos de internet...

Mas em outras coisas acontece algo que eu apenas teorizava.
Viver em cidades mais humanas e com mais contato com a natureza (na bruta, não um gramado vitoriano) nos torna menos ansiosos, menos apressados e, associado ao interessante fato de que a pressão sobre sua imagem diminui drasticamente, você naturalmente tem menos impulso ao consumo.

Não é um dado científico, mas todos os que eu conheço que fizeram essa transição tiveram essa mudança em graus variados.
O outro dado crucial é a limitação do poder econômico.
Numa grande rede de supermercado, em que se cobra até pela posição na gôndola e ele é que estabelece o prazo de pagamento, como um pequeno produtor entra?

Exato, nunca.

Não existe livre iniciativa no capitalismo exceto para quem tem a chancela de livre, ou seja, para quem já está entre as minorias (os angstron-negócios estão na categoria dos desprezíveis - por experiência própria - vivem dos restos dos grandes e portanto, tem um “teto bem baixo para voar”).
Então você chega num mercado menor e encontra, por exemplo, o mesmo pão pela metade do preço. Claro que seus preconceitos (cuidadosamente incutidos por grandes corporações) devem ser jogados pela janela para que você experimente uma marca desconhecida de um pequeno produtor local ou não.

Também é muito comum encontrar vegetais de produtores locais, inclusive em variedades que nunca havia visto, por preços muito menores e às vezes orgânicos pelos simples fato de serem caipiras e não simplesmente porque são dotados da chancela do marketing.

Apesar de não ser nativa (foi trazida pelos portugueses do Caribe), essa banana foi muito bem por aqui e é uma delícia! Claro, como não é tão "lucrativa"...

Às vezes até o escambo aparece!


Quando visito sampa (desacostumei total - isso é rápido) sinto aquele ar pesado, aquele cheiro horrível, aqueles milhares de decibéis de inúmeras fontes diferentes, aquelas pessoas violentas (só morando fora pra entender, pois afinal, eu era uma delas), aquela agressividade latente em tudo, aquelas pessoas que se medem de alto a baixo, aquela pressa injustificada para morrer, aquele aperto... nem sei mais... só sinto vontade de fugir de lá.

Claro que muitos amigos falam de suas preferências por essa ou aquela cidade, mas na maioria das vezes é uma preferência feita por causa de um valor adicionado por intermédio de uma memória afetiva, ou seja, muitas vezes é uma ficção.

Não tenho apego a essa ou aquela cidade, tenho apego às boas pessoas que me cercam, por isso nada mais natural do que ficar chuchando meus amigos para virem para cá, partilhar da comunidade, ainda que nos moldes tradicionais do lote, propriedade privada, etc.

Além da família próxima, minha madrinha já comprou casa aqui e uma amiga da patroa e sua mãe já estão no processo. 👊😁
Fora que estou "negociando" com uns amigos do ABC. 😇
Porém não tenho grandes expectativas com ninguém. Entre crer que nascemos morais (Rousseau) ou imorais (Hobbes), o mais plausível e de fácil demonstração é que nascemos amorais, portanto, também "ruins" sob o ponto de vista de uma vida social justa (Hobbes vence por aproximação) e quando associada a ignorância monstruosa da maioria esmagadora, a realidade e a perspectiva são péssimas...


Visitei várias cidades antes de vazar (adoro essa expressão!) de sampa, a maioria muito interessante para os objetivos que eu almejava, mas acabei escolhendo uma em que eu já tinha algum suporte.

O suporte de alguém torna a mudança menos crítica e menos insegura, nem que seja apenas do ponto de vista emocional, o que por si só já é muito importante, mas em geral esse suporte torna aquela ambientação muito mais rápida, coisas como a indicação do arquiteto com bom custo benefício, do pedreiro caprichoso, do mecânico de confiança, da quitanda com bons preços e ótima qualidade e por aí vai.

Uma coleção de pequenas coisas que é muito mais importante do que pensamos e, no fim, operacionalizando aquela coisa crucial das compras coletivas, da carona solidária, da troca constante de saberes, lazer em grupo, etc.

Por que se pulverizar quando há meios pragmáticos de se agrupar?

Por que ainda sempre nos sentimos tentados a dividir e a “resolver as coisas do nosso modo”?

Claro, cada um tem as suas perguntas e as suas respostas, mas existem muitas terrivelmente influenciadas por uma ideologia massacrante e portanto, de difícil identificação da influência (por isso chama-se ideologia), e isso tornas as coisas mais tristes.

Cada um cria seu inferno é verdade, mas ele não precisa ser tão corrosivo. O meu deve ter poucas e boas pessoas razoavelmente espaçadas apesar de cooperativas, pois mesmo boas pessoas quando amontoadas deixam vazar seu veneno por tudo o que é lado. Ops, Freud?! Essa é outra história.