quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Meu amigo Zygmunt

Em dezembro encerrei minha jornada no facebook.
Curiosamente próximo à data de falecimento do grande sociólogo polonês Zygmunt Bauman.

Os motivos são a avaliação prática, ainda que rasteira, do 'mundo líquido' que Bauman criou para definir a modernidade (ou pós modernidade como queiram).

Mesmo as poucas pessoas que conheci pessoalmente da dita "rede social", a sua maioria esmagadora são os bem descritos por Bauman, com uma ou mais de algumas de suas características: descartam pessoas e grupos com a facilidade de um 'delete'; se acham livres para emitir opiniões mal ou nulamente fundamentadas e não querem ouvir críticas; são irresponsáveis para com o outro e tem ética questionável; tem um discurso em dessintonia com a prática.

Uma outra coisa que me deixou abismado foi a completa subserviência a sistemas verticalizados, mesmo que em pessoas com aversão à autoridade tradicional: sem tocar o gado, ele se dissipa no pasto...


Foram quase 2 anos tentando... não posso ser acusado de não tentar...

Não vou me estender nisso. É melhor uma pessoa com mais conhecimento que eu.
Segue uma palestra do professor Lendro Karnal sobre o 'mundo líquido'.




Quem quiser entender porque me incomodo com "afetuosinhos" que defendem sistemas amorais  ou simplesmente "seguem sem questionamentos" (Hittler devia ser um cara muito amável com família e amigos, assim como Stalin, Trump, o piloto do Enola Gay ou aquele seu amigão do peito que defende truculências, supostas meritocracias e amoralidades...), sugiro enfaticamente a leitura de Hannah Arendt sobre a banalidade do mal: aqui tem uma análise muito boa.

Devemos pois continuar a busca, como Diógenes e sua lanterna atrás de um "homem honesto" ou Sócrates vagando em miséria atrás de um "homem sábio"*? Se antes do facebook arbitrariamente imaginava que a busca seria de 1 em 1 milhão, agora acho mais fácil ganhar na Mega-Sena...





* Sócrates gerou enorme antipatia buscando um "homem sábio". Questionar o sábio não provoca desconforto, mas questionar o tolo sim, pois o desnuda frente a sua ignorância e isso, importante que se frise, NÃO significa de maneira nenhuma que o questionador se presuma "mais sábio" que o questionado.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Admirável mundo novo



Nova translação da Terra e velhas tristezas...
Seu Tino é um senhor de 70 e muitos anos, negro, trabalhador e que sempre foi muito forte. Nos últimos anos claro a saúde está meio debilitada, a coluna já não ajuda e por aí vai.

Muito gentil e honesto, faz parte daquela leva de brasileiros marginalizados, sem educação formal e muito menos especialização alguma.
Perambula por aí atrás de serviços variados como capinar um terreno, limpar um jardim, cavar uma piscina... sim, o velho abriu uma piscina sozinho na pá!

Como todo explorado, principalmente sendo negro, sua postura é sempre humilde e resignada.
Às vezes o contratamos para algum serviço aqui em casa, assim como minha irmã o faz na casa dela. Sempre frisamos que ele deve ter o tempo dele sem prejudicar sua saúde e sempre permitimos que ele use o banheiro e tome água fresca filtrada, assim como à tarde o servimos algum lanche.

Todos os nossos prestadores de serviço são tratados com respeito e dignidade, sejam eles jardineiros ou advogados. Aliás, a hora da vida humana de ambos tem o mesmo valor.

Estranho alguns diriam.
Paternalista diriam outros.

Tratar com respeito e humanidade alguém passou a ser sinônimo de “favor”, e conseguir o ”melhor negócio” ainda que às custas de um pobre coitado virou “natural”.
Ele capina quase um terreno inteiro de um lote padrão de 300 m2 e pede 20 Reais... tem gente que aceita ou pior, pechincha!

Nenhum ser humano com um pingo de moralidade deveria aceitar pagar tão pouco para alguém trabalhar tão duro.

Alguns disparam o chavão neoliberal do “mercado” e da “oferta e procura”... com certeza Adam Smith (o papa dos liberais e neoliberais, que antes de mais nada era professor de moral – vide seu livro “Princípios da moralidade humana” que, segundo ele mesmo, nunca deveria estar separado do famoso “A riqueza das nações”) iria achar minimamente descente isso.

Pagamos 100 Reais ou mais para esse um ou um dia e meio de trabalho duro.
Ninguém aqui é rico, muito pelo contrário. Nossa vida é bem simples por opção.

A moral, simplificando, é o constate questionamento de “o que eu NÃO DEVO fazer ainda que me seja permitido” e “o que eu DEVO fazer ainda que eu não ganhe nada em troca e nem me seja solicitado
.
A essas questões, que devem permear constantemente a mente humana, soma-se a sua conduta para com o outro como indivíduo e como coletividade.

Daí logo se vê que “a lei” é apenas uma técnica. Uma ferramenta quando toda educação falhou. A última e falha cartada de uma sociedade decrépita.
A técnica quando substitui a moralidade solapa todo o humanitarismo de uma civilização e torna nebulosa – propositalmente - a diferença entre, parafraseando Amartya Sen, a liberdade formal e a liberdade substantiva. Pois a primeira depende da técnica – lei – e obviamente estará sempre a favor dos que podem pagar e a segunda depende da moral humana. Não é apenas uma coincidência que o neoliberalismo fomentou a extinção da moral, pois o que sobrou está sempre a favor de uma minoria que agora nem se freia diante de uma conduta imoral ainda que legal.

Mas voltando ao seu Tino, muita gente o explora na vizinhança.
É um misto mixo de poder e oportunismo, de uma ganância pífia, de uma naturalização do ganhar a qualquer custo.
É o discurso e o modus vivendi naturalizado dessa sociedade, que também defende as chacinas, a criminalização no uso de psicotrópicos ilegais, a criminalização do aborto, a culpabilidade feminina no estupro, das diferenças de gênero e raça e demais insanidades e truculências.

Uma vez perguntaram ao Roger Waters (ex vocalista, baixista e e genial compositor do Pink Floyd) se ele era “infeliz”. Ele achou a pergunta patética e disse que sua vida era ótima e sua família fantástica, mas que isso não o tornava impermeável à desgraça humana e nem o impedia de se colocar no lugar do outro.

Ter momentos de alegria devem permitir momentos de tristeza e reflexão, por isso não acredito em alguém que seja feliz. Nós podemos ESTAR felizes, pois a emoção humana não é uma condição de SER e sim de ESTAR.

E não posso considerar humano alguém que não se incomode com uma situação tão comum dos Tino's do mundo. Evidentemente esse ‘incomodar’ deve ser profundo e não palavras vazias ao vento. É a sua reflexão e a postura de vida diante disso.

Por isso que o mínimo que considero descente é o consumo mínimo, assim como o ganho mínimo. Claro, 'mínimo' é algo subjetivo, mas qualquer um que se questiona não sairá muito de uma espécie de "média comum da decência", pois o consumo estimula a exploração, tanto a humana quanto a dos recursos naturais, sua ligação com esse ideal mesquinho é óbvio.

E sim, qualquer um que ostente luxo num mundo tão desigual é um canalha, legalista ou não.
Basta saber que as valorações de um ou de outro são completamente arbitrárias e nada tem a ver com merecimento, muito pelo contrário, os acúmulos são sempre às custas direta ou indiretamente de uma grande massa de Tino’s.

Pensar nessa composição social e não ficar deprimido ou é esquizofrenia ou a mais pura burrice canalha.

O recém falecido (uma perda enorme para uma época tão carente de cérebros funcionais) filósofo Zygmunt Bauman uma vez respondeu a um jornalista quando questionado sobre o tema, que era um pessimista no curto prazo e um otimista no longo prazo. Claro, é uma maneira eufemística de responder a uma pergunta tão tola, pois o curto prazo é a nossa existência e o longo prazo... bem, não é nada.

E a “Trumpinização” do mundo corre solta... em 2018 com certeza algum neoliberal fundamentalista do estado mínimo estará em nosso executivo federal.
Enquanto isso resta-nos auxiliar um ou outro Tino do mundo e não fomentar essa canalhice generalizada.