sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Novidade ou eu apenas acho que o mundo começou comigo?

Nós somos criaturas bastante  bizarras.
Dado a nossa existência curta e nossa ignorância ampla, achamos sempre que somos cheios de criatividade e ideias inovadora, ainda mais no momento histórico onde "eu acho que" (sem maiores lastros) virou algo a ser valorizado.

Bom, se você  acha algo bizarro e saído "do nada" uma figura insólita (e nem por isso menos perigosa e nefasta) como Donald Trump assumir o poder da mais influente e poderosa nação do mundo, acho que apelas à história traz respostas... e péssimas perspectivas...

Indo direto ao ponto, desde que resolvi estudar economia (muito mais a política econômica e a moralidade derivada) uma coisa me deixava curioso: conhecer um pouco mais dos "primos ricos".

Como já li muita coisa do Paul Krugman (professor em Princeton, Nobel em economia, phD pelo MIT, colunista e escritor), achei na sua lista o "A consciência de um liberal". Muito bom, vale a pena pra qualquer um queira um panorama da política econômica dos EUA a partir do fim do século XIX.

Não é minha pretensão fazer uma crítica ou resenha do livro. Me considero muito ignorante para isso.
Mas acho que vale muito a pena nessas épocas "Trumpiquescas" e de devaneios ultraliberais no Brasil.

Basicamente prof Krugman demonstra como os EUA se tornou (principalmente nos Trente Glorieuses) o país das oportunidades e de como ele deixou de o sê-lo desde a década de 80.
Com dados muito consistentes prof Krugman derruba vários dos mitos ultra liberais (ou neoliberais se assim preferir) do estado mínimo, mitos da austeridade, redução tributária, etc.

A parte econômica (em especial as "receitas para grandes compressões" ou o New Deal norte americano) pode ser facilmente avalizada, por exemplo, com as obras de Joseph Stiglitz, Amartya Sen e brilhantemente por Thomas Picketty, mas a parte que mais me interessou foi a política mesmo.

Por exemplo, alguns se surpreendem com medidas aparentemente mais progressistas e liberais para um republicano que o governator Schwarzenegger tomou em sua época à frente do estado da Califórnia, e recentemente com suas críticas a Trump (republicano, homofóbico, sexistas, truculento, racista, egocêntrico, narcisista...), mas prof Krugman mostra que nem sempre republicanos e democratas estiveram em lados tão opostos.

Usa por exemplo o presidente Eisenhower como exemplo de republicano que ainda manteve certos programas sociais, etc. Cita que inclusive, a lei que aboliu a escravidão nos EUA foi aprovada por republicanos (os interesses obviamente não deixaram de ser citados).

A polarização republicana foi basicamente resultado de uma agregação de forças conservadoras em especial as elites sulistas (a versão do 'coronezinho' deles), empresários e grandes executivos, fanáticos religiosos e outros lunáticos perigosos, que, com o poder econômico, cooptaram estrategicamente a grande mídia e até mesmo partes da elite acadêmica (os think thanks).

Esses "organismos" (os think thanks) aglutinam toda a espécie de centro de influências sociais legais ou não, plantando notícias falsas e boatos, agraciando pesquisadores se os "resultados científicos" ficarem no interesse conservador, chantageando políticos e manipulando eleições.

Sim, manipulando eleições.
Prof Krugman nos traz uma série de fatos a respeito de como a prática de manipular eleições nos EUA é antiga e praticamente institucionalizada.

A saúde universal mereceu especial atenção, antecipando (o livro é de 2008 se eu não me engano) a derrubada do Obama Care e esclarecendo porque é muito importante para os conservadores que a saúde nunca se universalize nos EUA (eles chama de "saúde socializada" para reforçar o "perigo comunista"), motivos que vão além dos poderosos cartéis das indústrias médicas e farmacêuticas e da corrupção generalizada (sim, lá também tem!).

Assim como outros economistas sérios e imparciais (dentro do que a ética nos permite ser) ele mostra que os EUA se tornaram um país oligárquico novamente, com altos índices de violência, queda no nível escolar, achatamento da classe média e escabrosa desigualdade social, tudo basicamente resultado de redução tributária, ausência de controle (mesmo que seja apenas o moral) dos grandes salários, perseguição aos sindicatos e às forças organizadas ligadas ao trabalhador e à total (ou quase) ausência de um estado de seguridade social.

Apenas para bater na mesma tecla, de modo sucinto porém enfático, usando literalmente as palavras do prof Krugman: "as sociedades de classe média não surgem automaticamente enquanto uma economia amadurece, elas tem de ser criadas por meio da ação política".
 
O livro tem muita coisa boa e é recheado de ótima bibliografia. Vale muito a pena para nós cucarachas, os "primos pobres", que estamos adotando esse discurso de satanização dos impostos, do estado mínimo, da suposta meritocracia, da polarização irracional, da truculência e da xenofobia, e permitindo exatamente a mesma coisa que "lá": que grupos religiosos, ultraconservadores, empresariais e os barões de sempre se aglutinem e reinem sem questionamentos.

O capitalismo é como o 'Banco Imobiliário' (versão eufemística do nome original Monopoly): ele só funciona mal e porcamente quando um forte "juíz" (por definição aquele que deveria zelar por todos e a quem se outorga até mesmo a exclusividade da violência: o Estado) organiza, equaliza as forças e redistribui as riquezas. Sem o "juíz" ou se ele for o próprio jogador... bem, é o que estamos vendo...

Pra divertir a reflexão segue um doc do Michael Moore (apesar do jeito "Moore" de ser, seus docs são sempre interessantes):




A Corporação é um documentário premiado canadense. Esse vai de "brinde"... :o)
Você imagina a origem da "pessoa jurídica"? Então veja... é sinistro...



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